César é imigrante peruano no Brasil, há 9 anos. Veio com mulher e duas filhas. Aqui, teve um deslize e arrumou um filho fora do casamento. Agressivo, obrigou Rosa, a esposa traída, a cuidar do bebê. A mãe do menino também aceitou, sob ameaça. Tempos depois, acalmado os ânimos, o casal teve mais uma filha.
O casamento, que nunca esteve bem, piorou. Foi quando optaram pela separação. Rosa ficou com as três filhas e mais o menino, fruto da traição do marido.
Com aproximados 35 anos, ela faz artesanato para conseguir algum dinheiro e sustentar a casa. Eles moram na Cohab Novo Mundo, no Parque Novo Mundo. César aparece de vez em quando para trazer algum dinheiro. Ele também é artesão e faz tatuagens. Katherine, a filha de 15 anos diz que ele ficou um pouco carinhoso depois que separou da mãe, contudo, durante o período que moravam juntos batia em todos. “Ele era muito ciumento”, fala.
Anteontem, terça-feira (20), por volta do meio dia, César foi à casa da ex-mulher. As filhas estavam na escola. Rosa estava apenas com o menino de 9 anos. César chegou bravo. O motivo, a gravidez de Rosa, há 5 meses. Armado com um revólver 38, efetuou vários disparos. 2 atingiram a ex-mulher. Ela correu. Ele foi atrás, desferindo-lhe socos. Após pular uma janela, conseguiu fugir. O menino a acompanhou. A mulher foi socorrida pelos vizinhos enquanto César se trancou no apartamento ameaçando se matar.
Os policiais do 5º BPM/M perceberam a gravidade. Pouco tempo depois o GATE já estava no local. A negociação virou a noite.
Onze da manhã de ontem. A imprensa se acotovela para conseguir a melhor imagem. O local foi isolado. Entram apenas moradores dos apartamentos daquela rua. Prosseguem na negociação os tenentes Zólio, Schiavo, soldado Mileni e capitão Giovaninni. O Tenente Coronel Depieri e o major Marin acompanham a distância. César está transtornado. Ele mantém a arma apontada para si. Faz exigências desencontradas. Para piorar o quadro, está ingerindo conhaque.
Como havia ligado para um amigo pedindo um advogado, aparece Márcio com o doutor Maia. Ele é cabeleireiro no bairro. Os policiais orientam a sua fala e vai colocá-lo na janela para conversar com César. O advogado também é orientado. Cada detalhe é combinado para que César possa adquirir confiança e se entregar. Pouco depois eles voltam. Não houve acordo. Ele quer um advogado da Praça da Sé.
No apartamento acima aos acontecimentos, a filha Katherine acompanha atentamente. Esforça-se pra ouvir o que o pai diz aos policiais. Ela não deseja que ele faça besteiras, mas está magoada com o que fez à mãe. “Minha mãe contou que ele a engravidou quando esteve na casa dele para pedir dinheiro. Agora está achando que é filho de outro, ela não tem ninguém, pode perguntar pras pessoas aqui”, explica.
O sol está quente. No apartamento de frente um adolescente começa ouvir musica eletrônica em alto volume. Os policiais solicitam que desligue. César está sem comer e sem dormir a 24 horas e ingerindo bebida alcoólica. A música alta deixava o clima mais tenso, poderia prejudicar as negociações.
O relógio marca 13h16. Apesar da insistência dos negociadores para que responda, César permanece em silêncio. São quase 5 minutos sem falar nada. Os policias se reúnem e mudam a estratégia. Logo anunciam pela janela que sua filha mais nova quer falar com ele. Então responde recusando-se a atender. Isso permitiu uma nova seqüência de conversação.
Num canto, aguardando os próximos acontecimentos, o advogado, Dr Maia, pensativo, dá mostras de que está nervoso. “Eu não estou acostumado com essas cenas, ver ele com a arma apontada para o próprio corpo me deixou emocionado”, confidencia.
Katherine comenta que está gostando do trabalho dos negociadores, mas teme pela decisão do pai. “Se os policiais falarem alguma coisa que não goste, ele se mata”, afirma com a convicção de quem conhece o seu temperamento.
Os membros do GATE intercalam a fala com César entre a rigidez e a suavidade. “Mostre para suas filhas que você é capaz. Diga: errei, mas vou pagar pelo que fiz e recomeçar a vida”, fala um oficial para ele. César pede para o policial dizer às suas filhas que ele é um bom homem.
Ebony, a filha mais velha de 16 anos, está no apartamento de uma vizinha cuidando de seus irmãos. De vez em quando aparece na janela e dá uma olhada, mas por pouco tempo. Quem não perde cada passo da negociação é Katherine.
De dentro do apartamento César fala mais alto. Sua voz é chorosa. Culpa a mulher pelo acontecido. Parece não conseguir concatenar as idéias. A tensão é maior. Os policias procuram acalmá-lo. Embora também cansados, demonstram serenidade na condução das negociações. Usam todas as técnicas que dispõem para contornar a situação.
O panorama começa a melhorar. César, pela primeira vez, aproxima-se da janela para falar com os policias. Permanece com a arma apontada para si. Ganhou a promessa de que virá um novo advogado, de sua confiança. Então começa falar mais calmo. Já dá sinais claros de cansaço. O desfecho parece estar próximo.
Chega outro advogado. O gerente da crise avalia e consente que seja levado à presença de César. Com a resistência já minada, às 14h50, entrega-se.
Do hospital chega a notícia, Rosa não corre risco de morte. O bebê também está bem. Ebony e Katherine decidiram, vão procurar um emprego. Enquanto César terá um tempo pra refletir... Na prisão.
Texto de minha autoria, publicado originalmente ontem (21), no site da PMESP, no link Legião de Idealistas. Estive no local dos fatos e acompanhei de perto o drama dessa família.