sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Não é a negra, nem a mulher. É Helena.

Foto: Luis Blanco
Não é a negra, nem a mulher. É Helena.

Helena tem a doçura da canção Acalanto, que seu ídolo Chico Buarque compôs para ninar a filha dele de igual nome. Porém, ao contrário da sugestão da letra de que “não vale a pena despertar”, a menina Helena dos Santos Reis, nascida e criada na zona rural de São José do Rio Preto, onde a diversão com seus cinco irmãos era a interação permanente com a natureza, despertou aos dezoito anos para ingressar na Polícia Militar do Estado de São Paulo  e fazer história.
Chegou ao posto máximo da carreira, e aos 47 anos a coronel Helena acaba de ser designada pelo governador Geraldo Alckmin para ocupar a chefia da Casa Militar e a coordenação estadual da Defesa Civil.
A Casa Militar, além do prédio do Palácio dos Bandeirantes, também é responsável pela segurança do governador e das demais autoridades.
A Coordenadoria Estadual da Defesa Civil atua incentivando a prevenção e fomentando a estruturação da Defesa Civil, apoiando os municípios em caso de desastres e calamidades quando extrapole a sua ação e reação.
A coronel Helena disse que tem metas ambiciosas de melhorar principalmente o aspecto preventivo. Para isso, já começou percorrer o estado proferindo palestras e incentivando os municípios a estruturarem suas defesas civis.
Por ser a primeira negra a ocupar o cargo de chefe da Casa Militar, numa função que existe há quase um século,  pode parecer, em tempos inclusivos, que a indicação foi meramente política; entretanto, ao conversar com a oficial, também fica patente o seu potencial intelectual e notável conhecimento acadêmico. O doutorado em ciências policiais de segurança pública e a experiência profissional adquirida em patrulhamentos de rua, atuando em áreas de degradação social, como a Cracolândia, lhe forjaram para exercer a chefia a que acaba de ser nomeada.


Foto: Sargento Lago
Não se esquiva de responder sobre questões polêmicas. Sobre racismo e preconceito de gênero na profissão, disse que a disciplina militar ajuda evitar que haja preconceito aberto, porque existe a consequência disciplinar. Acrescenta que sempre busca fazer um algo a mais, por saber da desconfiança que paira sobre as mulheres, mas lamenta o fato de que em 2017 negros e mulheres brasileiros ainda tenham que celebrar a nomeação de um cargo da relevância.
Helena é favorável à redução da maioridade penal pelo efeito que gera o medo da punição, contudo acredita que não é uma solução mágica, e enfatiza a necessidade da aplicação efetiva das penas. Por si só, segundo ela, a redução da criminalidade não vai ter o efeito que a sociedade pensa, todavia é uma forma de acabar com essa sensação de impunidade entre os adolescentes cooptados pelo crime, desde que a medida venha acompanhada da garantia de uma série de direitos civis e discernimento.
Também é favorável ao ciclo completo da PM, da prisão à condução do inquérito, para acelerar o trabalho e não desperdiçar tempo.
“O Brasil é um dos únicos países do mundo que mantêm essa separação entre uma polícia administrativa e outra judiciária. Os Estados Unidos têm a polícia municipal, do condado, estadual e federal. Todas com ciclo completo”, afirma.
Um drama surpreendeu sua família em 2001 quando seu irmão, sargento da PM, foi assassinado 16 dias antes de se casar. Ele voltava para casa, após sair do trabalho. Apesar da dor causada que faz Helena lembrar do irmão todos os dias, ainda assim não alimentou o desejo de vingança e da justiça com as próprias mãos. Busca entender a situação para não morrer espiritualmente, “porque a mágoa envenena”, disse.
Mas não se enganem com a doçura de Helena em seu 1,60, voz tranquila e semblante dócil. Ao transpor barreiras profissionais e chegar ao posto máximo da carreira, participando de um grupo seleto, tão cobiçado por todos e conquistado por uma minoria, que a conduziu à indicação do cargo de secretária de estado, aprendeu fazer uso da energia se for preciso, para que a lei seja cumprida.  
Restou a certeza de que o governador do estado confiou a sua segurança não a uma negra nem para uma mulher, mas à Helena.


Segurança Pública: Nós temos a solução para tudo



Criticamos o corte de cabelo alheio com um “não sei se ficou bom”, quando não falamos cruelmente “do outro jeito estava melhor”. As decisões dos amigos, a demora na fila do banco, os gostos, as atitudes, as opções e orientações das pessoas, para quase tudo temos uma opinião formada.

Não estudamos medicina; contudo, se a mídia divulga com alguma frequência o drama de determinado paciente, no momento seguinte, já começamos opinar se devem ou não tirá-lo do coma induzido. No futebol, o gol perdido “até a minha avó faria”. O final da novela sempre seria melhor se fosse seguido o roteiro que imaginamos. Ignorando a distinção da linguagem, sempre achamos que “o livro é muito melhor que o filme”. Em acidentes aéreos, decoramos os termos mais utilizados e reproduzimos como se especialistas fôssemos: “O problema foi o transponder desligado”.

Agora, quando o assunto é segurança pública, aí sim, falamos com mais propriedade porque desse assunto entendemos. Mesmo que a minha graduação seja em gastronomia e tenha perdido mais tempo em degustação de cervejas no boteco ao lado da faculdade, terei sempre uma opinião “embasada” para apontar as falhas nesse complexo sistema de segurança pública do país.

A paralisação dos policiais militares do Espírito Santo, infelizmente, veio para desmitificar todas as opiniões que temos formadas sobre tudo. As soluções fáceis que arrumamos para cada novo tiroteio no Rio de janeiro ou chacina em São Paulo mostra que, ao longo dos anos, nos iludimos. A nossa sociedade não pode prescindir dessa polícia que aí está. Neste momento, é isso que merecemos.

Teríamos provado ao contrário se não houvéssemos saqueado as lojas, saído às ruas assaltando e matando e mantido a população prisioneira dentro de sua própria casa.

Outra coisa, ainda que muitas críticas sejam cabíveis, a ignorância popular não permitiu que se observasse que o soldado é o menos responsável pelos problemas na segurança. Ao contrário, também é vítima dela. A máxima é esta, soldado debilitado é igual a sociedade fragilizada. Esse episódio do Espírito Santo é uma comprovação disso.

Pois é, nós temos a solução para tudo, porém somente iremos viver como cidadãos evoluídos quando começarmos a tê-las para nossas próprias arrogâncias e também humildade suficiente para, em vez de de vociferar soluções fenomenais, unir forças para encontrar, de forma bem intencionada, uma maneira de construir um país mais justo.

*Publicado originariamente na coluna do Sargento Lago no Portal Stive, de Brasília.