quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

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sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

A esperança que me conduz

Foto: SlidePlayer.com.br

A esperança que me conduz

O mundo em que vivemos está à beira do caos. A situação está insustentável. Existe pressão em todos os lados. A sociedade sente o colapso iminente, e a população, pânico. As notícias dão conta de que o pessimismo já não é apenas uma decisão precipitada de antever a barafunda, mas a própria constatação de que ela chegou. No Brasil, a crise do sistema carcerário soma-se à crise econômica, política e moral e prenunciam uma nova Babel irreconciliável.

Todavia, propagar simplesmente a ideia do caos não nos conduzirá a lugar algum diferente do fracasso. É sob esta nuvem densa e escura que temos que enxergar a solução para o problema. Não faz parte da solução quem, além de comemorar uma nova tragédia, exibe como troféu as mazelas que nos diminuem perante a sociedade mundial, propagando em redes sociais a nossa incompetência de construir um mundo melhor para nós e nossos descendentes.

É importante gritar aos quatro ventos que todos nós somos responsáveis pela mudança. Mesmo que alguém recuse cumprir com a sua obrigação social, ainda assim não poderá se esquivar das consequências.

Essa guerra que está acontecendo nos presídios expõe a falência do sistema penitenciário brasileiro, que não cumpre os interesses da Lei de Execução Penal e, mais que isso, nos faz vítimas dela. De uma forma ou de outra, todos sofreremos suas consequências. Sem querer falar mais do mesmo, em vez de criarmos sensacionalismos com imagens tenebrosas, podemos refletir que esses corpos mutilados sendo compartilhados refletem a nossa própria cabeça desconectada do corpo, incapaz de raciocinar, impedindo que busquemos uma solução. Pior, que deixemos de ser parte do problema.

Quanto mais houver presos mortos, mais vagas serão abertas e preenchidas abruptamente por criminosos inexperientes e mais cruéis. 

Por que penso assim? Simples: primeiro, porque nada de consistente está sendo feito para diminuir a criminalidade do país; segundo, se as pessoas de bem, muitas religiosas, já conseguem comemorar a morte de humanos, engrossando o refrão de que “bandido bom é bandido morto”, imaginem como não está o ânimo desses novos bandidos que a nossa sociedade produz a cada dia? Porque não podemos esquecer que os bandidos saem da nossa sociedade, não vêm de Marte.


Achar que a morte de todos encarcerados erradica o crime do país é o mesmo que imaginar que se pode extinguir a doença matando o doente.

O que alimenta nossa esperança é que o país já está sendo passado a limpo com a “operação Lava Jato” e poderosos criminosos sendo responsabilizados. Mas é apenas o começo. Precisamos de muitas outras ações que vão permitir que esse trem descarrilado retome o seu rumo. Reformas no judiciário, educação, política, saúde, segurança, entre tantas outras, devem ser priorizadas. Também devemos conscientizar nossas crianças das ações corretas, dando bons exemplos.

Nesse momento de turbulência por que passa o país, em vez de propagar o Armagedon, é mais produtivo buscar a sapiência do líder sul-africano e prêmio Nobel da Paz Nelson Mandela: “devemos promover a coragem onde há medo, promover o acordo onde existe conflito e inspirar esperança onde há desespero”.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Lições do cabo Zizi


Izidoro era negro, esguio, cerca de 1.87 e tão dócil, que era carinhosamente chamado por todos de Zizi.

Trabalhamos juntos nos anos oitenta, na Primeira Companhia do Décimo Sexto Batalhão, em Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo.

Eu, recém-chegado; ele, veterano. Meus olhares curiosos e inseguros sempre encontravam nele uma resposta apaziguadora e serena para as minhas incertezas. Quando meu tio, sargento Lago, não estava por perto, era Zizi quem me orientava.

Estivemos algumas vezes na mesma viatura. Após cada ação profissional, explicava-me os procedimentos didaticamente. No meu enfado de recruta, quase sempre com pressa de ter as rédeas das minhas vontades, eu ainda não compreendia tanto zelo daquele negro bonachão. Sem eu perceber, aquele valoroso homem estava entrando em minha vida para sempre e deixando lições das quais jamais me esqueceria.

Na minha formatura de cabo, surpreendeu-me. Entre as pessoas que me parabenizavam, lá estava ele, elegantemente fardado, e, junto com o fraternal abraço, proferiu palavras apenas ditas por quem tem orgulho da profissão.

Ao apresentar-lhe uma prima, acompanhada do esposo, elegantemente se curvou e beijou-lhe a mão, numa reverência aristocrática. Causavam espanto e enlevo tanta nobreza num ser aparentemente rude e a grandeza que se extraía de gestos singelos espontaneamente dedicados.

E assim meu mentor tirava diariamente da cartola lições da vida e preparava-me para uma iniciação em vários campos da arte de viver: política, religião, arte… Ao me afastar do limbo da rotina, possibilitava reflexões, conferia-me autonomia para avaliar cada passo de minha vida, ao que hoje sou muito grato.

Certa vez, cheguei ao Serviço de Dia com a papeleta de uma ocorrência de latrocínio, à qual eu havia acabado de atender, e, ao narrar a ele os fatos, orientou-me: “Acenda uma vela para o seu anjo da guarda, porque ele te livrou da morte hoje”. Sua advertência me trouxe à memória o quanto nós policiais temos a necessidade da gratidão divina, diariamente, coisa que o empoderamento, do qual nos revestimos quando desafiamos o perigo, nos faz infelizmente esquecer.

Sua condição boêmia, no entanto, emprestava-lhe um status na caserna que não combinava com a sua elegância imperial. “Quem gosta de música é gente de bem, tenente”, respondeu certa vez com olhar triste, ao ser inquirido por mais um atraso ao serviço. Chega dar saudades desse tempo em que a maioria dos policiais em desalinho tinha apenas a bebida e o cigarro como vício.

As biritas nos botecos da Vila Madalena e as madrugadas na Escola de Samba Tom Maior, sua paixão, vez e outra lhe deixava em maus lençóis com o oficial. Todavia, em que pese um ou outro atraso, sempre fora muito profissional.

Recordo com nostalgia as muitas lições do Cabo Zizi, que aposentou pouco tempo depois que me transferi da unidade e fui trabalhar na Rota.

Nas muitas confraternizações de final de ano, estive em dezembro com os veteranos daquela época. Uma das faltas que mais senti foi a de Zizi, que morreu pouco tempo depois de passar para a inatividade policial. Tristeza maior é perceber que homens daquela estirpe estão cada vez mais raros na sociedade. Sem referências, todos padecem.

*Texto publicado originariamente na coluna do Sargento Lago no Portal Stive, de Brasília.