sexta-feira, 18 de junho de 2010

Uma questão de reciprocidade


Quando os jornalistas receberam o convite para uma entrevista coletiva no Quartel do Comando Geral da PM paulista para informar a prisão de policiais suspeitos em execuções, algum veterano de pauta deve ter disfarçado um sorriso de satisfação, afinal o trabalho árduo que a categoria desenvolve há anos, à custa do próprio sangue, como foi o caso de Vladmir Herzog, estaria começando a dar resultados.


Verdade seja dita: a PM avançou no quesito transparência. Isso não quer dizer que fosse corporativista antes, não. Era mais uma questão de arrogância, por considerar que não deveria dar satisfação a "paisanos". Contudo, junto dessa atitude "élégant" também deveria ter autonomia para explicar o motivo pelo qual tem aumentado os casos de mortes suspeitas e cometimentos de arbitrariedade envolvendo policiais. Já se comenta inclusive que, com a atuação eficiente da polícia pacificadora nos morros do Rio de Janeiro, haveria um princípio de formação de milícias em nosso Estado.


Como tenho defendido, há necessidade de romper o vínculo com a demagogia, de jogar para a torcida, quando ações eficazes devem ser adotadas. A simples transferência de comandantes, aliás - a primeira providência que criteriosamente tem sido adotada – tem-se demonstrado um equívoco tremendo, pois somente se justificaria se houvesse envolvimento direto nas acusações, que não é o caso. Sabemos das convicções legalistas dos comandantes da Polícia Militar. Essas medidas trazem em seu conteúdo simbólico uma grande traição aos ideais de quem defendeu incondicionalmente causas impessoais, pois muitas vezes a ocupação de um cargo na Polícia não atende a vaidades pessoais, mas ao orgulho, ao coroamento de uma trajetória, de uma extensa folha de serviços prestados ao povo.


Ainda hoje ouvi o lamento de muitos subordinados do Tenente Coronel Camargo, afastado do comando do 10º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano, em virtude de uma ação de uma patrulha que vitimou um civil com a morte, em uma quermesse. As marcas da humilhação também freqüentaram jornais para expiar o pecado dos mandatários, que ignoram o histórico do humilhado. Aliás nunca na História da Polícia deste Estado o policial foi tão relegado a um mero número estampado numa ficha. Em verdade, ser responsável pela segurança dos cidadãos daquela região significou àquela autoridade muitas noites de sono, muitas renúncias, o abandono da família nas noites frias, marcas de chumbo na carne. O Coronel Camargo sempre foi oficial de trincheiras, de postar lado a lado com o oprimido pela violência, de marchar com a tropa, estimulando-os à coragem e à prática da justiça. Qual foi a falha do comandante? Acreditar nos homens, na grandeza da autoridade, na honra dos detentores do poder, os mesmos que sequer conhecem um percentual mínimo do compromisso do valoroso oficial, líder até de missão de paz da ONU, com a causa pública.


Alguém conhece truculência maior? Pratico truculência e depois quero mediação de conflitos fundamentados em pressupostos humanitários? Pois é, Senhor Governador e Senhor Secretário da Segurança Pública de São Paulo, administrar um profissional cuja extensão de sua ação atinge o limiar da vida e da morte requer mais que demagogia. Que tal considerar a valorização profissional como irradiadora de resultados consistentes e duradouros? Todos profissionais, do soldado ao coronel, devem se sentir responsáveis pelo zelo com a corporação, como numa família de muitos irmãos, como na minha infância. Minhas irmãs mais velhas faziam a faxina, arrumavam tudo e os demais se fiscalizavam mutuamente para que ninguém sujasse.


O que vemos hoje, no entanto, é uma corporação desmotivada, sem aspirações. Sem um plano de carreira que possa despertar em cada um a gana de vencedor que são obrigados a ter no embate diário na defesa dos cidadãos de bem. Por isso, um faz vista grossa aqui, outro empurra com a barriga ali, e isso vai favorecendo que maus profissionais busquem nos meios ilícitos a motivação que não têm para o bem.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Vamos ser feliz depressa. A hora é esta.


O Diário Oficial de ontem(08/06/10) estampou: "PM, civil e técnico-científico da ativa e aposentados receberão aumento". Quem lê a notícia exulta “finalmente o governo reconhece a necessidade de sua polícia”. Mas a leitura da matéria nos traz de volta à triste realidade frequente na vida dessa classe fustigada pelas manobras dos políticos. Agora os artifícios também ocupam veículos de comunicação oficial, nos mesmos moldes da propaganda enganosa, pura fanfarrice. A manchete induz o leitor a acreditar em uma coisa, porém o texto afirma outra.


Nesse caso, o aumento propalado não passa da reparação parcial do equívoco e da distorção do famigerado ALE (Auxílio Local de Exercício), tardiamente e à conta gotas. O mesmo que tratava com distinção policiais que exercem a mesma função, sujeitos aos mesmos riscos e às mesmas condições de trabalho. O mais revoltante é a mensagem subliminar expressa nessa matreirice: os policiais não terão a reposição dos seus salários no presente ano.


Será que não chegou o momento daqueles que estão há pelo menos trinta anos na Polícia Militar deixarem de ser ingênuos e pararem de acreditar em milagres? Será que esses representantes da classe dominante já não demonstraram a incapacidade de enxergarem as nossas reais necessidades e possibilitar-nos a dignidade à altura da dimensão da nossa relevância social?


A polícia necessita urgentemente de um plano de carreira eficaz, que permita bons e qualificados policiais ascenderem na hierarquia e desfrutarem de condições melhores, inclusive financeiramente. O modelo atual é desalentador. E quando ocorrem alterações, são somente paliativos, que beneficiam uma parcela em prejuízo de outra.


Eu já senti na pele os efeitos nefastos dessas decisões unilaterais das mentes brilhantes, quando ingressei no quadro de sargentos. Naquela época, os segundos sargentos ganhavam a condição de frequentar o CAS (Curso Auxiliar de Sargentos) e, com isso, qualificavam-se para a promoção seguinte, apenas pelo critério de antiguidade. Contudo, quando metade da minha turma já havia sido beneficiada, mudaram a regra do jogo e todos os demais, inclusive eu, claro, tivemos que prestar concurso público para ter esse direito.


A medida gerou indignação em muitos sargentos, que utilizaram o único protesto que lhes era permitido: não prestar o concurso. Confesso, eu também fiz isso. Só que, passados três anos, descobri que era o único que estava sendo prejudicado por essa atitude, então concorri a uma vaga e fui aprovado. Mas, no fundo, sabemos que a experiência somente foi levada a cabo por se tratar de praças, uma classe sem voz.


Estamos em momento de mudança, a hora é essa. Vamos proclamar a vitória de quem sabe como fazer e não é dada a oportunidade. Tiremos como exemplo a África do Sul. Lembram-se há vinte anos? Os negros não seriam capazes de comandar aquele país, não é o que diziam? Pois hoje observamos os avanços conquistados. A copa do mundo está ai para nos dar a oportunidade de reconhecermos a capacidades dos homens quando são donos do seu próprio destino. Não devemos nos sujeitar à ditadura de minorias.


Nossa corporação é grandiosa. Nossos policiais, de valores inestimáveis. O que falta é a mudança de foco. Deixarmos de ser massa de manobra. Enxergarmos que existe esperança e que nós podemos fazer a diferença. Não acreditemos nas mesmas balelas de sempre porque o tempo tem mostrado que só nos tapearam. Eu repito: Vamos ser feliz depressa, a hora é essa.