quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Pequenos delitos

Há alguns anos o Walcyr Carrasco escreveu a crônica “Pequenos abusos”, na revista Veja São Paulo, que me motivou escrever outra sob o título “O dia que encontrei Walcyr Carrasco, sem saber”.

Houve até um mal entendido aqui que expliquei ali. Além da repercussão da jornalista Érika Sallun sobre o texto.

Já falei sobre honestidade aqui antes, porém algumas coisas são aceitas por nossa sociedade de forma tão natural que parecem normais, mas não são.

Ontem fui de ônibus ao centro da cidade. Foram tantas informações que iniciei duas reflexões para serem postadas oportunamente aqui no blog.

No retorno pra casa iniciei o esboço de um dos temas, registrando palavras chaves do que pretendia escrever. Contudo tive minha atenção desviada para um rapaz cumprimentando o cobrador. Então fui anotando tudo enquanto se desenrolava a cena.

- E aê abençoado, tudo bem?

Com semblante de quem tinha entrado de serviço na madrugada e já estava sentindo os reflexos das horas trabalhadas, o cobrador acenou positivamente sem muito ânimo.

- Posso fazer o meu trabalho?

Com a mesma disposição, sinalizou que sim.

O rapaz, branco com cabelos artificialmente aloirados, com 1.75 de altura aproximadamente e magro, esticou-se todo e passou por baixo da roleta.

Com boa impostação de voz e discurso decorado, iniciou dizendo:

- Senhoras e senhores, boa tarde! Desejo a todos uma boa viagem! Mas gostaria de pedir um minuto de vossa preciosa atenção.

Eu tenho 23 anos, sou casado e pai de três filhas. Moro na Vila Brazilândia e a única forma que arrumei para trabalhar foi essa, pois não consigo arrumar emprego registrado por causa da minha condição de ex-presidiário. Mas também não fiz coisa errada por que quis. Nós que somos pais e mães de família sabemos como é ruim chegar em casa e ver nossos filhos sem ter nada pra comer.

Por isso que estou aqui, faça chuva ou faça sol. É esse o meu trabalho. Tudo que eu peço é que vocês tenham a sensibilidade de sentir a minha dificuldade. Pra isso eu trago comigo umas balinhas saborosas e nutritivas que poderão refrescar o seu hálito enquanto contribuem com um chefe de família.

Quem voluntariamente contribuir com R$ 1,00 (um real) eu retribuo com um saquinho dessa saborosa iguaria...

Estava disposto a caprichar ainda mais no discurso quando percebeu que não se fazia necessário. Algumas bondosas senhoras já começavam a procurar o dinheiro na bolsa.

Teve aproximadamente oito “contribuições”. Em troca ofereceu um saquinho com umas 10 pequenas gomas de sabor eucalipto.

Pra ser bem generoso, o produto valia uns R$ 0,60 (sessenta centavos), mas quem pegou sequer questionou isso. Não porque o valor era baixo, aparentemente parecia ser significativo para algumas, contudo o ânimo estabelecido foi o da filantropia.

As questões que não foram avaliadas ali são as seguintes:

1) Por que o rapaz não pagou a passagem, se todos têm essa obrigatoriedade?
2) De onde vem esse produto que ele está vendendo?
3) Ele adquiriu de forma licita?
4) Passou por algum controle de qualidade?
5) O preço é justo?
6) Quem garante que a história dele é verdadeira? Não parecia.
7) Mesmo que seja, o que as pessoas têm com isso se esse cara com apenas 23 anos só quer fazer filhos e depois cometer crimes para resolver os seus problemas?

Cada vez mais fica claro o que Walcyr Carrasco queria dizer. Aceitar pequenos erros nos faz ficar sem ânimo para lutar e combater os grandes delitos.

Obs. Foto ilustrativa.
Crédito da foto: Saulo Cruz

2 comentários:

  1. Tava pensando aqui. Já pensou se um dia um vagabundo desses chega dentro do busão e fala: Eu podia estar matando, roubando e principalmente estuprando, mas perfiro pedir a compreensão das senhoras. Acabei de sair da cadeia e estou muito tempo sem relações sexuais. Alguém pode me ajudar? É capaz que consiga pelo menos uma masturbaçãozinha...nojoooo! Povo babaca!

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  2. Quem tem que arrumar emprego é o Estado. Ninguem tem que ficar aceitando esses xaveco.
    A Carol foi f. hehehe

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