Há tempos a Polícia Militar busca uma forma de desenvolver um projeto com as pessoas envolvidas com o movimento Hip Hop. O que aumentou esse desejo foram os fatos ocorridos na Virada cultural de 2007, quando a PM teve que intervir nas ações de vândalos que assistiam ao show dos Racionais MCs.
O episódio foi ruim para as duas partes. Aumentaram os questionamentos em torno das ações da PM, como sendo preconceituosas, enquanto o movimento Rip Hop, sobretudo alguns grupos de rap, começaram ser preteridos em alguns eventos por conta do receio de novos problemas. Perdeu também na edição de 2008 da Virada Cultural, quando ficou em um espaço mais acanhado e com fiscalização mais rigorosa. Nelson Triunfo, precursor do movimento no Brasil está irritado, quer conversar com as autoridades para que seja revisto o tratamento. Mas a tarefa para mudar essa imagem negativa vai depender de esforço dobrado.
Por ter gravado uma música no ritmo do rap em 2000, no CD “De Policia”, que tinha 13 outras canções em diversos ritmos, eu e o então Capitão Rivaldo (atualmente Major da Reserva) começamos ser confundidos como rappers. Essa identificação acabou atrapalhando a projeção do trabalho que era pretendido. Se por um lado ganhamos uma mídia voluntária pelo inusitado, pelo outro sentimos em algumas situações a rejeição, pela imagem negativa que o rap trás. Negativa pelo fato de ter as músicas de maior projeção mensagens que estimulam a violência, critica a polícia e aos demais órgãos públicos e também fazer apologia às drogas e ao crime.
Fui incumbido pela Chefe da 5ª EM/PM, Tenente Coronel Fem PM Maria, a desenvolver um trabalho para que facilitasse o diálogo entre a PM e o Movimento Hip Hop. Então decidi procurar os expoentes do rap. Como criticam muito, entendi que poderiam participar dando sugestões para a solução. Foram vários contados. Busquei artistas de perfis diferentes. Mas, em todos os casos, a conversa não evoluiu além de seus intermediários. Foi uma rejeição fria. “Sem idéia”, como dizem. Tentei com outras formas de expressão do Hip Hop, já que o rap é apenas uma delas. Tem a dança, o grafite e os Djs, que formam os 4 elementos. Tive uma rejeição menor, mas o medo da repercussão da parceria inibiu o desejo em participar.
Como Maomé não vai à montanha...
Na semana passada recebi o convite para participar do evento "Hip-Hop Social Pela Democracia", que aconteceu sábado (31), no CEU Atlântica, no Jardim Nardini, zona oeste da Capital. Após ser autorizado pela minha chefe, confirmei minha presença. Confesso que estava apreensivo. Fui estimulado até a desistir. Mas sou movido a emoção. Não gosto de ficar com a sensação do “e se eu fosse, como teria sido?”
Como recebi o convite em cima da hora, nem deu pra levar alguém comigo. Fui na cara e na coragem. Eu e Deus. Percorri ruas que só havia passado antes com a viatura, em patrulhamento. Mas, pontualmente, as 14h00 estava lá.
Percebi que existia também uma expectativa por parte das pessoas. Elas também estavam curiosas pra saber quem seria o maluco que estava indo lá.
Na primeira oportunidade, observei quem estava mais acessível e estabeleci um diálogo pra quebrar o gelo. Tiramos até algumas fotos. Mas alguns preferiram manter a distância. Prevaleceu o “sem idéia”.
Depois de anunciado, comecei minha fala explicando que, apesar de ter gravado algo parecido com rap, não era do ramo. Apenas tinha feito uma incursão superficial por admirar a linguagem musical do rap.
Pouco tempo depois, abri para as perguntas. A primeira participação da platéia já foi uma pergunta/desabafo. O rapaz tinha tomado uma blitz e o policial fez várias perguntas do tipo “Que grana é essa; é do tráfico?”, “Por que está com duas camisas; é pra dispensar uma na fuga?” Então ele queria que eu dissesse o motivo dessas “embaçadas”.
Teve momento que eu achei que a coisa estava ficando complicada, devido aos ânimos exaltados de alguns participantes. Aí surgiu uma senhora na platéia, mãe de um rapper que iria se apresentar na seqüência. Ela se apresentou: “Meu nome é Maria, sou da Zona Norte, Brasilândia”. Pensei, lá vem bomba. A Brasilândia tem a sua fama.
Como ela frisou bem o seu bairro, entendi que ela estivesse me preparando para receber chumbo quente. Mas, pra minha felicidade, ela disse que também era mãe de um policial. Como alívio, nem esperei que fizesse a pergunta e já mandei: a senhora sofre preconceito duplo na família eim... Isso ajudou quebrar o gelo.
Aos poucos o ambiente foi voltado a normalidade e pude perceber que aqueles jovens que ali estavam não faziam críticas sem fundamento. Eram situações que eles tinham vivido. Havia uma razão de existir. O que estava desafinando na conversa era exatamente a porcentagem que eles davam de profissionais que prestam aquele atendimento que não gostaram.
Também trouxe desse debate informações que ajudam entender um pouco mais o movimento Hip hop. Cada grupo de rap, por exemplo, eles chamam de família. E não é pequena, em média tem 10 a 12 componentes. E é tão familiar que até um vovô foi ao evento para acompanhar suas netas que iam dançar.
Os sinais que eles fazem com as mãos era uma outra curiosidade. Descobri que tem mensagens de paz, união, força etc. Utilizam como forma de marketing, para identifica-los.
O que é comum entre eles é a cara fechada. Basta preparar a máquina fotográfica para fazer uma foto que todos ficam sérios.
A mensagem das letras falam de diversos temas, contudo as que têm ganhado mais projeção são as que contribuem para o preconceito em relação ao movimento.
No encerramento, contra a minha vontade, me fizeram cantar “a capella” o Rap da PM, de minha autoria e do Capitão Rivaldo. Ao encerrar, até fui aplaudido.
Aliviado, me acomodei para poder acompanhar os grupos que iriam se apresentar. Não precisou nem esperar muito. O primeiro já fez um discurso de crítica a polícia e ganhou espontaneamente os aplausos que a mim foram mais acanhados. Então pensei, daqui a pouco a platéia esquece tudo que falei e perco o que foi conquistado nessa relação. Antes que fosse uma realidade minha previsão, cochichei ao ouvido do meu anfitrião e, como eles mesmos dizem, “dei linha”.
O que me agradou foi que o diálogo foi privilegiado. Também saí de lá convicto de que há uma necessidade urgente de uma aproximação com esses jovens. Eles são do bem, são idealistas. Temos que estreitar essa relação e contribuir para que tenham boas inspirações, pois atualmente quem tem exercido maior influência no movimento Hip hop é o marketing do crime.
Publiquei originalmente o texto "Papo no Gueto" no site da PMESP.
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