Falar sobre preconceito é fácil quando se restringe apenas a sua ideologia. Mas me atrevo porque, ao fazer uma análise de consciência e revisitar a própria memória, concluí o quanto fui plural nas minhas relações. Falo de envolvimento, sentimentos de amizade ou de amor. Algo concreto, prático, intenso.
Já tive amigo intelectual e ignorante, estuprador, estelionatário, assaltante, assassino, psicopata, drogado, homossexual, negro, branco, estrangeiro, nortista e nordestino, sulista, sudestino e centroestino, político, padre, pastor, rabino e pai de santo; mantive casos com prostituta, bissexual, depressiva, moradora de mansão e favela, empresária, faxineira, nova, velha, bonita, feia, gorda, magra, branca, negra, brasileiras e estrangeiras; bebi em taça de cristal e copo de requeijão, vesti linho, flanela, frequentei bons restaurantes e comi quentinha na periferia; viajei em aeronaves e de carona, na boleia de um caminhão; conheci Paris e o sertão; a riqueza, a miséria, pessoas bem-sucedidas, fracassadas; quem ria e quem chorava. Cantei rock, forró, samba, reggae e gospel. Torci pelo campeão e pelo rebaixado. Chorei com histórias de superação, filmes de amor e também sorri com humor inocente.
Em todas essas experiências sensoriais mantive a base da minha formação familiar, religiosa e social, permitindo, contudo, que os meus conceitos fossem aprimorados.
Descobri que atrás desses rótulos existiam pessoas, seres que, em algum momento, nossa semelhança humana nos aproximou, embora eu não tivesse a afinidade com suas crenças, práticas, atitudes e comportamentos. Isso me fez uma pessoa melhor. Não que eu tenha alcançado a perfeição, apenas me tornei muito melhor do que poderia ser caso não tivesse absorvido os ensinamentos dessas relações.
Nesta semana recebi a mensagem de um jornalista, em resposta a uma sugestão de pauta para o meu livro “Papa Mike – A realidade do policial militar”, onde ficou claro que recusava a sugestão simplesmente pelo preconceito aos policiais.
Preconceito à parte, o mínimo que eu esperava desse vagabundo é que ele lesse o livro. O adjetivo não se refere ao disfemismo de concluir que seja um marginal, mas ao fato de que ele nem sequer teve a dignidade de ler a obra antes da contraindicação aos seus leitores, simplesmente por tratar-se de uma temática e de um autor policial. Tenho certeza de que se teria surpreendido, como tem acontecido com muitos outros colegas dele.
O mundo está repleto de pessoas assim, as quais dão ao preconceito suas mais perversas roupagens, todas elas repugnantes, todas capazes de subtrair dos seus semelhantes as diversas oportunidades.
Aqui vai meu gesto de repúdio à atitude de alguém que tanto invoca a liberdade de expressão. Faço-o com a responsabilidade que a mim atribuí: denunciar toda a espécie de apartheid social e contra ela lutar.
Ao nobre jornalista só tenho a dizer que a forma preconceituosa com que me tratou não vai atingir os propósitos de quem discrimina, qual seja, conviver com as diferenças e com as vozes dissonantes. Nessa questão, pior para ele que não leu o livro. Certamente passaria a ter muitos outros argumentos para falar mal da polícia, caso um dia decidisse largar as fileiras dos covardes.
* Texto publicado originariamente na coluna do Sargento Lago no Portal Stive
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