quarta-feira, 24 de agosto de 2016

A décima oitava hora



Não sei qual a motivação da corte texana quando definiu a décima oitava hora do dia para a execução dos condenados do corredor da morte. Em minhas conjecturas e tentativas de encontrar o simbolismo desse detalhe ritualístico, a que melhor encaixou na minha absorção foi a ideia de que a décima oitava hora marca a chegada da noite, da escuridão, ou seja, o cumprimento da pena atingiria o campo espiritual, separaria definitivamente o indivíduo dos seus semelhantes, a quem teria causado um grande mal. A intenção seria patentear a exclusão não somente terrena mas também do paraíso?

Essas reflexões chegaram a mim ao assistir ao programa Bastidores, da National Geographic Channel, nesta segunda-feira (15), num documentário sobre o Corredor da Morte no Texas, EUA.

Visualmente a pena de morte pareceu ser uma solução. Ao mostrar em detalhes os crimes cometidos por três condenados, o programa se desenrolou com depoimentos diversos, inclusive dos próprios condenados, e finalizou com os três mortos serenamente sobre uma maca. A cena sugeriu implicitamente que a solução atendeu à necessidade dos apenados e da sociedade.

“Eles deveriam ser executados com a mesma crueldade do delito que cometeram”, esbravejou uma jovem moradora da pequena Huntsville, cidade texana onde fica o presídio que mais executa a pena capital. Não está errado, se avaliarmos que o objetivo da pena é fazer justiça. Entretanto, a pena capital alimenta mais o desejo de vingança do que propriamente de expiação e, assim, pela mão do Estado os indivíduos, inconscientemente, voltam a um estágio primitivo no qual todos acabam condenados, pois o ódio não somente atinge quem recebe as ações do seu desencadeamento; também assim o faz com aquele que o alimenta.

A intenção da justiça texana seria causar o menor sofrimento possível, conforme ficou constatado em outra execução. Em 2010, um condenado, em suas últimas palavras, narrou a aproximação da morte ao receber a injeção letal: “Eu achei que ia ser bem mais difícil que isso. Estou preparado para ir. Eu vou dormir agora. Eu posso sentir. Está fazendo efeito…”.

Meu questionamento é: devemos flertar tanto com a morte quando nós mesmos não a desejamos?

O tema divide as opiniões e tanto os defensores da medida quanto os refratários a ela são pródigos em argumentos; porém, ao invés de desejarmos a pena de morte como mecanismo de frenagem para atividade criminosa, deveríamos ser capazes de escolher a primeira hora para iniciar as boas ações que vão construir um mundo melhor.


* Texto revisado, originariamente publicado na coluna do Sargento Lago no Portal Stive

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