Tinha cinco anos quando caí da escada ao pular degraus. Quebrei o braço. As brincadeiras em casa sempre eram seguidas de travessuras e punições. Lembro-me da minha vó, velhinha, protegendo meu irmão Misael, o preferido. Por pirraça, fingia brigar com ele pra vê-la brava. Na mesma época, ao ir à escola com o Misa, parávamos perto do matadouro municipal para ver os bois. Nem sequer imaginava que seriam abatidos.
A paixão pelo futebol iniciou algum tempo depois, quase na mesma época em que me apaixonei por uma coleguinha da classe. Perto dela, transpiravam minhas mãos, eu parecia um chafariz humano.
Adolescente, dei o primeiro mergulho no mar, em Angra dos Reis. Ali conhecia uma nova paixão. Mal sabia que daquele sentimento seria cativo. Também vivia cercado de irmãos e amigos.
Ir à São Paulo foi a solução encontrada para tentar uma colocação e garantir o futuro. Eram tempos difíceis. Sonhador, burlava a ansiedade com pensamentos onde tudo dava certo ao final.
O ingresso na Polícia Militar confirmou que o futuro já havia chegado em trinta suaves prestações anuais. Quando dei por mim já estava aposentado.
Resistente, tratei de me impor alguns outros desafios, mas percebi que o tempo é implacável. Com ele, a sensação de que minha capacidade de realizar aumenta enquanto proporcionalmente ele diminui.
Lembrei-me de quando li a biografia de Martinho Lutero. Fiquei impressionado com o seu drama de querer ser monge enquanto seu pai pressionava para que estudasse direito. Todos aqueles problemas já estavam há mais de 500 anos para trás.
Outro dia reencontrei alguns antigos companheiros do quartel no sepultamento de um amigo em comum. Local propício para reflexões, não pude furtar-me às minhas.
Com a ampulheta virada desde o nascer e com a certeza de que me resta menos que a metade do tempo já vivido, reflito: se cada ano que ficou registrado não há a menor possibilidade de mudança, qual imagem vou deixar na memória dos meus descendentes e conhecidos?
Uma canção de Nana Caymmi diz que “o tempo zomba do quanto eu chorei porque sabe passar e eu não sei, mas no fundo é uma eterna criança que não soube amadurecer”.
A verdade é que precisamos parar de maltratar essa criança com a composição de histórias medíocres; afinal, assim como estranhamos nossos filhos tomarem forma e fazerem escolhas sem o controle de nossas rédeas, não é justo entregá-la à vala comum dos desafortunados. Não podemos deixar à posteridade apenas a tristeza de nossas mortes morais, espirituais e físicas.
* Texto publicado originariamente na coluna do Sargento Lago no Portal Stive