quinta-feira, 20 de junho de 2019

Lições de uma campanha política

Lições de uma campanha política
Na mitologia grega, a esfinge era um ser demoníaco que transmitia mau agouro, infortúnio e destruição. Traiçoeira e impiedosa, devorava quem fracassasse em responder seu enigma: ‘’Decifra-me, ou te devoro’’ – Qual o ser que pela manhã tem quatro pés, ao meio dia, dois, e à noite, três? Milhares de viajantes conheceram o crepúsculo inesperado de suas vidas na porta da cidade de Tebas, onde o tenebroso ser ficava, por não desvendar o mistério. Até que um dia, o rei de Tebas ofereceu a realeza para quem conseguisse destruir o monstro, e um jovem chamado Édipo respondeu ao enigma.: o ‘Homem’. Novo, engatinha; crescido, anda com dois pés; na velhice, apoia-se a uma bengala. Conta-se que, furiosa, a Esfinge jogou-se de um precipício, e outra lenda diz que ela devorou a si própria.

Finalmente, senti na carne as lições desse mito, ao ser devorado pela convivência com o monstro da política brasileira. Percebi que não basta ser homem, tampouco descobrir que manter dois pés no chão pode ser ainda o engatinhar na memória de um cidadão que mal tem noção das implicações de suas escolhas.

Sou de um tempo em que o Policial Militar era apolítico; aliás, ao soldado nem sequer se estendia o direito a voto, e o político, quando não inimigo declarado, era olhado com desconfiança. Essa indiferença acrescida de uma postura rudimentar não tardaria a nos tornar inimigos número um da sociedade, que odiávamos.

Como todo bom soldado bandeirante, nunca me omiti, e desde cedo descobri que não seria uma banana para o público alvo que nos livraria da execração pública; assim, passei a contrariar o arquétipo cultuado na caserna e adicionei ao meu destemor o policial cidadão. 

No início dos anos 2000, cheguei ao auge da minha popularidade, depois de ter servido no CPA-M/5, ROTA, PM/5, Rotac/Campinas, CFAP e Diretoria de Ensino, onde fazia parte da equipe de Videotreinamento e produzia reportagens em que atuava como repórter, transmitidas em todos quartéis do Estado. O lançamento do meu CD De Polícia conquistou ampla difusão na mídia paulista e brasileira, em rádios, jornais e revistas. Houve dia de participar de três programas em canais de televisão distintos. 

Não tardaria o reconhecimento nas ruas pelos civis. Certa vez, em Campinas, ao prender um traficante, ele esqueceria o momento fatídico por me reconhecer. Sentiu-se privilegiado.

Nessa época, assediaram-me pela primeira vez para ser candidato a um cargo político. Refutaria prontamente. Não fazia sentido para mim fugir da missão que escolhera, ainda em curso. Ao final daquela década, aposentar-me-ia, e, mais uma vez, a política espreitou-me, abordou-me , entretanto já decidira que minha vida na Polícia Militar não se encerraria com uma publicação fria no Diário Oficial, como as notas de falecimento que poucos leem nos jornais. Assim, decidi conhecer as polícias, o magma comum que nos forja.

Vi abrir as estradas do Brasil, o céu, os mares, o mundo. Fui bem acolhido em todos os lugares, da América à Europa. A cada experiência vivida, meu valor refletia além de mim; finalmente, percebi que não era um iludido com os ideais que até então cultivara.

No final de 2016, a política bateria novamente a minha porta, dessa feita por intermédio de um dos meus primeiros rondantes setoriais, do ainda recruta Soldado Lago. Após anos sem contato, numa abordagem cuidadosa, massagearia meu ego ao reconhecer em mim preparo para representar os policiais militares. O Sargento Wilson compusera um grupo de policiais, a maioria do CPA-M/5, no final dos anos 70, que, a despeito das perseguições impostas a qualquer ação reivindicatória, lutava em favor dos interesses dos policiais. Agradeci suas considerações e, mais uma vez, declinaria o convite. 


No ano seguinte, após inúmeras homenagens conquistadas país afora, uma ironia que eu publicaria na internet ganharia publicidade, e a ousadia me faria merecer três dias de reflexão no quartel. Não compreenderia a função correcional. Desejei protestar, mas fui juridicamente orientado a não fazê-lo, pois, segundo a mesma orientação, em condições semelhantes a minha, apenas o poderia com imunidade parlamentar. 

A conversa com o sargento Wilson começou fazer sentido para mim. Também pesou o desinteresse dos políticos e candidatos pela pesquisa que eu fizera pelo país. Nenhum deles me procurou com objetivo de saber a realidade da nossa profissão. Apenas se interessaram por fotos promocionais, nada mais. Eu indagava: como têm interesse em nos representar sem se importar com o que de fato necessitamos? Ora, a maioria não conhece sequer a PM paulista, mas se candidata a representar nossos interesses! Seria os nossos ou os deles? Na prática temos visto que os deles.

Em pouco tempo já havia um grupo reunido, uma sala de escritório no centro de São Paulo e muita expectativa em torno do meu nome. Eram pessoas que respeitavam minha história, amigos que se uniram ao projeto, dispostos a contribuírem para que apresentássemos propostas claras e sérias, elaboradas por uma equipe competente de profissionais técnicos e com ajuda dos especialistas do marketing político. Cada um ofereceu o que estava ao seu alcance.

Chegada a campanha, as experiências negativas de uma eleição se evidenciaram. Alguns me veriam como bolsão de empregos; outros, descaradamente atuavam como Judas, entre outras imposturas. Mas o mais lamentável seria a escassez de ética e de compromisso de alguns candidatos da classe. 


Cheguei a participar de reuniões com alguns Praças, e o discurso insistia em tomar o caminho do “nós contra eles” numa referência a Praças x Oficiais. Não resisti a tamanha pequenez e decidi me afastar; pois , no fatiamento de uma representação, não existem vencedores. Se não nos mantivermos juntos, permaneceremos desarticulados. Unindo oficiais e praças, a PM de Sergipe conseguiu, em 2010, eleger o capitão Samuel com votação quatro vezes maior que o efetivo da PM local. Também essa união lhes permitiu a conquista do segundo maior salário do país, pasmem, o menor estado da federação.

Pior que ouvir o discurso do “nós contra eles” foram as sessões de fotos e abraços com “eles”, mostrando que não sustentam as próprias ideias, ainda que equivocadas. Seria motivo de felicidade se esses abraços e fotos fossem de fato uma mudança de postura, porém a eleição provou que era apenas oportunismo, pois na primeira oportunidade o Praça eleito gravou vídeo atacando “eles”.

Acho que a pior parte de uma campanha é exatamente a falta de caráter, o vale tudo pela conquista dos votos levado às últimas consequências, enquanto o eleitor é tratado apenas como número. Ao policial militar é imperativa a obrigação moral de diferenciar-se das camadas putrefatas da política, porque a retidão nos distingue e nos eleva. Não foi à toa que a sociedade nos elegeu como porto seguro de suas esperanças no momento de desespero e degradação moral e confiou uma fatia expressiva de votos aos candidatos militares.

Infelizmente, não compreendemos esses pressupostos. Apesar de treinados para decidir numa ocorrência em fração de segundos, nossos policiais não conseguem distinguir o engodo da sinceridade, o bisonho do habilitado, o embusteiro do confiável. O que dizer da “Derrubada”, das audiências no Tribunal de Justiça Militar como mérito em uma plataforma política bem-sucedida? Isso representa uma vitória de Pirro, o general que ganhava a guerra à custa da aniquilação do próprio exército e da expropriação dos próprios recursos. Ora, o policial possui outros recursos e potencial a ser enaltecido além de “matador”. Pelo menos todos estão treinados para isso. O que nos difere são as oportunidades, necessidades. No campo político as armas utilizadas são outras e exige habilidade maior que as letais, para conquista dos objetivos. 


Outros valorizam os gritos, as discussões, os barracos, as “denúncias” algumas até com temas infantis; mas não se observa a condição ética, moral e intelectual do candidato. Na prática estamos vendo se repetirem os mesmos erros do passado e, apesar de muitos militares eleitos, ainda não descobrimos quem será nosso representante de fato, e todos já estão se articulando para a perpetuação no poder.

Observem que para se elegerem usam o nome da PM, após eleitos, já nos primeiros discursos citam as guardas municipais, guardas de presídios, Polícia Científica etc. Qual o motivo? Aumentar o eleitorado. Também promovem reuniões que fortaleçam seus grupos políticos, mas cuidar dos interesses dos eleitores fica pra segundo plano. A prioridade já passa ser a reeleição.

Por essas e outras que decidi entrar efetivamente nas questões políticas.

O idealismo que me move, conduziu-me a contrair empréstimos na COOPMIL para gravar discos; utilizar todo dinheiro ganho em uma ação judicial para viajar fazendo pesquisas, enquanto meus colegas compravam carros, sítio etc ; vender o único carro para publicar um livro e, não só desprovido da ambição financeira, também da vaidade. O valor sentimental de usar o Sargento como nome artístico significa muito mais que o da promoção imediata recebida. Por isso, não importa qual será o resultado dos pleitos que eventualmente eu venha participar. Importa que, a partir de então, inicio meu compromisso de ser a voz silenciada do povo, que deseja gritar, ainda que por meio do discurso indireto e subliminar.

Ah! O mito que introduziu este artigo refere-se à importância do autoconhecimento, bem apropriado à nossa instituição, pois aqui se perseguem os métodos e as gestões de corporações de todo o mundo e, contraditoriamente, não se aprofunda no conhecimento da nossa própria essência. Somente quando desvendarmos o enigma de quem verdadeiramente somos, eliminaremos a autofagia que nos consome e destruiremos o monstro político que nos devora com cargas desumanas de trabalho, salários indignos e sepultamentos em vida. 

Jingle de campanha
Proposta para Educação




6 comentários:

  1. Sua história e um exemplo de vida.
    Suas ideia são bem contundentes.
    Parabéns sargento Lago por trabalhar por um grande ideal, ajudar o próximo.

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    1. Obrigado pela sua mensagem. É um incentivo a seguir o ideal, numa época em que temos apenas desmotivações.

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  2. Sargento Lago, boa noite!
    Texto maduro, real, reflexivo e sábio!
    Até breve!

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  3. Meus parabéns pelo conhecimento geral de Polícia Militar que adquiriu pelo Brasil inteiro meu Amigo!
    Você é o maior exemplo de Companheiro que podemos ter, está aí um nobre e humilde Amigo que pode nos servir de exemplo! Deus te abençoe infinitamente meu amigo irmão! Forte abraço!

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