quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Erros repetidos


Dois fatos recentes me trouxeram à reflexão o quanto as pessoas são cruéis em seus julgamentos precipitados.

O primeiro dá conta que um subtenente, de serviço voluntário nas olimpíadas, havia subtraído para si um objeto esquecido na entrada de um dos eventos. Uns disseram que era um celular, outros, um relógio. Sabiam tanto sobre o assunto que até o objeto supostamente subtraído pelo veterano variava conforme quem propagava o boato.

No outro caso, os comentários eram sobre a expulsão de uma policial que, segundo alguns, teria subtraído os dados de policiais, no sistema da corporação, para repassar ao crime organizado.

Que a policial foi excluída da corporação é verdade. A dúvida consiste em saber se foi ela quem utilizou o computador para pesquisar os dados de vários policiais ou se outra pessoa, aproveitando-se do sistema aberto com a senha da policial, o fez.

Nos dois casos, várias críticas precipitadas foram feitas, nos grupos de whatsapp.

Recentemente li que a professora, dona do relógio, inocentou o policial em depoimento. Se de fato ele é inocente, a foto dele já foi espalhada pelo país afora como criminoso. E certamente a divulgação da sua inocência não irá se propagar na mesma proporção que a acusação, e nem irá reparar os danos causados a sua imagem e psíquico.

No caso da policial é ainda mais grave. Se é que dá para dizer que o caso anterior não tenha sido igualmente grave.

O fato de ter o seu nome associado a traição dos companheiros de farda pode lhe colocar em grande perigo.

O triste dessas duas histórias é que são policiais, que tanto reclamam dos julgamentos precipitados da sociedade, reproduzindo o comportamento que desaprovam.

Infelizmente isso é cultural. Esses boatos correm pelos quartéis e, de um dia para o outro, histórias e reputações são jogadas na lama.

Podemos até admitir que as duas situações citadas aqui sejam procedentes, mas não podemos correr o mínimo risco de cometer injustiça e nos tornar mais um algoz de quem já sofrimento suficiente na carreira, a começar pela profissão que é carente de reconhecimento.

Errar todos nós erramos, porém, não sejamos protagonistas de erros repetidos.

*Texto publicado originariamente na coluna do Sargento Lago no Portal Stive 

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Pobreza cultural


A futilidade já se pronunciava nos programas de celebridades na televisão. Ao se aperfeiçoarem, invadiram também os portais.

A quantidade dessas publicações desafia o bom senso e testa nossa paciência ao limite. Como falta criatividade para produzir matérias, somos obrigados a engolir manchetes do tipo:

“Ex BBB queima a boca ao morder pastel na praia.”

“Mariah Carey só faz sexo às segundas-feiras”.

“Irmã de Neymar exibe decote e recebe elogios”.

“Geisy Arruda exibe marquinhas após bronzeamento artificial”

Outro dia parte da imprensa digital noticiou que Belo chamou ou pensou em chamar a polícia, após sua esposa passar muito tempo no banheiro com prisão de ventre , imaginara que ela tivesse sido sequestrada.

Mais recentemente uma moça virou notícia por ter uma noite de sexo com o recordista do atletismo Usain Bolt. A candidata a famosa, para ganhar um pouco mais de holofote, revelou detalhes do encontro com o jamaicano. Chegou ser constrangedor.

Há muito se ouve que algumas semicelebridades, sobretudo as que têm o corpo como único atrativo, pagam assessoria de imprensa para plantar “relevantes notícias” com o intuito de aumentar seu michê. Observe, não disse cachê. Concluímos com isso que nossa imprensa está imbuída em contribuir com o “quanto pior melhor”.

Enquanto somos obrigados a deparar com essas aberrações diárias – em detrimento da cultura e das boas informações que vão gerar motivações para a construção de um país melhor – nesta semana foi selecionado o filme que irá tentar representar o Brasil no Oscar: “ O Pequeno Segredo”. Esperava-se que a imprensa brasileira, tão aculturada, a mesma que massacrou o novo presidente por suprimir o Ministério da Cultura, promovesse um debate e estabelecesse uma agenda de promoção da cultura nacional, mas o que se viu foi o levantamento de suspeita de perseguição política a um concorrente eleito antecipadamente pelos esquerdistas, bem a gosto dos espíritos pobres, que vivem de achincalhar pessoas e instituições.

A verdade é que num país sem educação cultura não dá audiência. Bisbilhotagem da vida alheia vale ouro.

* Texto publicado originariamente na coluna do Sargento Lago no Portal Stive

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Policial, veterano e mochileiro. Você também pode!


Eu gostaria de viajar pelo mundo quando tinha vinte anos. Tenho alguns amigos que fizeram isso. Confesso que tenho orgulho da façanha deles. Mas como o faria sem que tivesse pais que patrocinasse, como foi o caso deles?

Meus cinquenta anos vieram juntos com a inatividade na Polícia Militar. Aguardei esse momento para viajar com a minha esposa. Mas junto da aposentadoria também veio o divórcio. Então restou-me pegar a mochila e o violão e cair no mundo.

Num primeiro momento realizei o antigo sonho de conhecer todas as PMs do Brasil, que originou o recém lançado livro Papa Mike – A realidade do policial militar, onde relato os detalhes dessa viagem por todo o país. Do Oiapoque ao Chuí, literalmente. Os meios de transportes, hospedagens, onde e o que comi, culturas regionais, além, é claro, da experiência vivida em cada quartel.

Depois a aventura foi maior. Decidi que sairia do país.

Num primeiro momento conheceria apenas a América do Sul, mas ao chegar a Venezuela ganhei um aporte financeiro de uma ação judicial vencida e de lá segui por toda América Central até chegar ao México.

Toda viagem de ida foi por via terrestre. Isso mesmo.
 
Fui de São Paulo ao México de busão.

As hospedagens foram em hostels, onde os dormitórios são compartilhados e pagamos apenas pela cama, permitindo que o preço seja muito inferior ao hotel tradicional.

Saí do Brasil com um o portunhol meia-boca e cinco semanas depois estava dando entrevista para o programa de TV da polícia boliviana, falando espanhol e sendo compreendido por todos.

Foram três meses de viagem com custo muito baixo que me proporcionaram uma das experiências mais incríveis que tive na vida.

A motivação para escrever esse artigo é que os policiais aposentam, em média, aos cinquenta anos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa de vida dos brasileiros - que nos anos 1960 era de 52,6 anos - em 2010 foi avaliada em 73,8 anos. A projeção para 2020 é de 76,1 anos.

Depois de passar toda a carreira labutando com o que tem de mais amargo na sociedade, nada mais justo que o veterano desfrute das delícias que a vida tem a oferecer.

* Texto publicado originariamente na coluna do Sargento Lago no Portal Stive.

sábado, 10 de setembro de 2016

Filosofia do otário feliz



Foto by Marco Aurélio Olímpio

Eu sou um otário. Descobri isso ao contabilizar as muitas vezes que fui enganado. É Difícil acreditar que um policial veterano possa ser, mas o sou. Não tenho vergonha de assumir.

Avaliando as muitas questões em que saí prejudicado, descobri minha inclinação.

Talvez esteja sendo muito rígido comigo, em vez de admitir que tenha um coração filantrópico, como meu pai , um pastor evangélico que serviu sua fé com a alma e os bens. Sua generosidade fora tão exacerbada, que, mesmo antes de possuir a própria casa e abrigar sua grande família, preferiu comprar uma chácara e lá construir um asilo. E não descansou do trabalho até que as instalações estivessem abrigando alguns velhinhos, na cidade de Areias, interior paulista.

Antes meus propósitos fossem tão nobres. Talvez não me autointitulasse com o pejorativo.

Contrariando meu instinto de não querer deixar que me enganem, sempre dou um voto de confiança aqui, outro ali, acreditando que não serei vítima. Mas logo descubro que vacilei de novo.

Das muitas lembranças que me fazem merecedor do título, lembro-me da doação feita da metade que tinha num apartamento, após a separação, por causa do assédio moral que sofria. Em outro final de relação, quando ainda era jovem, dessa vez ainda no noivado, doei minha metade de todos os móveis comprados em conjunto. Sem saber o que fazer com aquilo, a ex solicitou o espólio, e , além do adjutório, ainda lhe arrumei comprador para os móveis.

Na primeira tentativa de escrever o livro Papa Mike, contratei uma senhora que se diz especialista no assunto. Possui até site e dá cursos. Apesar da idade avançada, a velhaca pegou meu dinheiro e nada fez. Dessa vez, em razão do desejo de ver a obra publicada, tive um repente de indignação e decidi reaver o dinheiro. Por determinação judicial, serei restituído agora, após três anos de moroso processo judicial.

Tenho feito alguns jingles para a campanha de vereador que têm me garantindo uma remuneração extra.

Semana passada, fui solicitado por uma pessoa do Estado do Rio de Janeiro para fazer seu jingle, após ouvir o que eu havia feito para um amigo em comum. Realizei o trabalho e, embora tenha aprovado de forma entusiasmada, retirou o interesse ao lembrá-lo que a forma de pagamento não era apenas o “muito obrigado”.

A “Lei de Gérson” parece ser a cartilha de muita gente. Talvez por isso as operações da Polícia Federal tenha alcançado pessoas “acima de qualquer suspeita” . De damas da sociedade a vovozinhos, um após o outro aparecem na TV caminhando com as mãos para trás e seguidos por agentes da PF.

A vida tem me mostrado que a filosofia do otário não é ruim. Sou testemunha disso. Com o mesmo desapego aos bens materiais, da mesma forma que meu pai se sentiu realizado e feliz, tenho usufruído em dobro de tudo que me lesam. Em contrapartida não vejo na tela da TV o triunfo dos que põem as mãos em dinheiro que não lhes pertence. Afinal, é isso. A vida é um solo fértil.

* texto publicado originariamente na coluna do Sargento Lago no Portal Stive