Eu não entendo de política. Também não
tenho informações privilegiadas. Como você, sou um cidadão comum que se vê no
direito de externar meus pensamentos, principalmente porque entendo que a
reflexão pode conduzir-nos a um crescimento.
É nítido que vivemos um momento
político de insatisfação, pelas constantes agressões a nossa cidadania, pela
conjuntura epidêmica que assola os nossos direitos individuais. Como policial
militar cidadão, estamos acostumados a condicionar as nossas atitudes ao
interesse da sociedade, isto é, pautamos a consciência por um dever de
renúncia; contudo, há momentos em que o acinte nos obriga a abandonar a
passividade, a buscar a mobilização. É o
que ocorre agora diante da intenção do governo estadual de nos conceder, a
título de esmola, 7% de reposição
salarial, como prêmio por suportar a guerra de ânimos decorrentes de sua
política equivocada de enfrentamento não somente da violência mas também dos
problemas sociais.
Há indicativos de que a PM de maior
efetivo do Brasil saiu do primeiro longo estágio de letargia e agora começa dar
mostras de insatisfação, outrora manifesta apenas no círculo dos Praças, muitas
vezes de forma silenciosa e corrosiva, a qual esmorecia ânimos e sepultava
ideais. A verdade é que a tropa nunca recebeu apoio em suas revoltas veladas,
em seus murmúrios quase monásticos em que sepultava suas frustrações. O reflexo
disso foi a dedicação à jornadas duplas
em bicos para dar melhor condição a sua família.
Agora a insatisfação chegou ao
mais alto escalão. O eterno romance com o PSDB parece estar desgastado, visto
que o governador deu mostras públicas de que está de caso com a outra polícia e
impõe humilhações aos “devotados” comandantes. Trata-se de um golpe calculado,
numa aposta de que milico range os dentes por no máximo duas semanas e aceita
mais carga no lombo como penitência. Certamente, ocorrerá um aceno com mais
perfumarias inebriantes, um cala-boca como saída honrosa. Mas o estrago está
feito.
O governo não pode ignorar os
efeitos de sua iniciativa grotesca. É conhecida a arrogância da outra polícia,
minimizada apenas pela paridade salarial. O gesto simplesmente aniquilará os
esforços árduos de uma convivência pacífica. O clima já é de beligerância.
Sentindo o gosto amargo da
traição, nossos mentores reuniram as associações para definir que iriam
protestar. Mas protesto precisa de volume. Então se teve a ideia de convocar a
massa, de forma sutil, claro. Só que ninguém foi treinado para ser sutil. A
vida toda, as ordens foram dadas com arrogância: “Cumpra-se ou fica preso!”
Então “sutilmente” o discurso mudou entre a tropa. Um comandante aqui, outro -
também – ali... E ficou clara qual era a intenção.
Cachorro mordido de cobra tem medo
de linguiça.
Em 1988, ameaçaram fazer uma
greve, e muita gente foi demitida. Pais de família perderam o próprio sustento
e de seus entes queridos.
O caso Carandiru é outro
exemplo de abandono, embora seja outra coisa, mas os policiais receberam
pesadas condenações e estão agora à mingua.
Eu não torço contra.
Também serei favorecido caso haja resultado positivo. O que vivo tentando
explicar aqui - na prática - a manifestação de hoje mostrou: Os 160 mil
policiais militares do Estado de São Paulo não se veem representados nem por
suas associações nem pelos seus políticos. Por que será? Uma coisa é você
receber ordem no quartel: "Entrem em forma!" Outra coisa é convocar o
policial de folga para ir a uma manifestação. A ordem - embora às vezes
queiramos -, desde que não seja absurda, temos que cumprir. A convocação não.
E por que não atendemos a
tais convocações que, em tese, é para reivindicar benefícios para todos nós?
Simples: porque fomos deixados para trás a vida toda e sabemos que na prática
não se importam conosco. Apenas querem o apoio da massa para alcançar seus
próprios benefícios.
Outra coisa que observei foi
que houve uma convocação para que “a massa” colocasse em seus perfis a cara de
um palhaço. Alguns não só colocaram no perfil como foram maquiados para a
manifestação, mas não vi nenhum “líder” com a maquiagem sugerida. Nem sequer em
seus perfis colocaram. Também não vi nenhum líder manifestar-se em defesa dos
policiais que foram contundentes nas redes sociais e já receberam ameaças da
KGB paulista, aliás, mais um disparate da democracia brasileira.
Das associações nem perco
tempo para falar, porque cada um deve valorizar o próprio dinheiro. Se a pessoa
quer financiar determinada entidade para ela investir seus recursos apoiando
quem lhe oprime, é um direito dela. Também não cito nominalmente nenhum
político porque ele está vendendo o peixinho dele. Se fresco ou podre, compete
a cada eleitor avaliar.
Agora, o que defendo é que
carecemos de um líder que não tenha comprometimento com ninguém.
Dos aspirantes a líder que
vi até agora - e que até percebo que consegue fazer barulho na internet (apenas
na internet - não convence o povo sair da frente do computador), nenhum deles é
aprovado no quesito rabo preso. Se você prestar bem a atenção verá que fazem
ataques pessoais a determinada pessoa, mas defendem outra (exatamente quem as
alimenta de notícias e, vai saber, até com dinheiro ).
Em 2011, quando desenvolvia o Projeto
Polícias Militares do Brasil, onde visitei durante treze meses e nove dias
todas as PM do país, estive em Aracaju e lá entrevistei o Capitão Samuel, recém-eleito
deputado estadual. Não me recordo a quantidade de votos, mas fora superior ao
efetivo da PM de Sergipe, pois houvera uma união entre Praças e Oficiais tão
forte, que se propagou aos civis que não tinham contato com a PM. A transparência
de objetivos era translúcida. O resultado dessa união, além da eleição do
Capitão, foi a conquista do segundo maior salário do país, perdendo apenas para
Brasília.
Está chegando o momento de
surgir essa unidade em São Paulo. Não da forma que propuseram desta vez, visando apenas a fortalecer interesse
unilaterais, mas algo que seja verdeiro.
Por outro lado, devemos ter
cuidado para que nossos cardeais não “produzam” esse novo líder. Pinçar alguém
do povo, com carisma e discurso convincente, mas que nos bastidores continue
fazendo o jogo do poder.
Pois é, de política eu não
entendo nada, mas de tanto ser vítima dela... Estou começando a enxergar como
eles a utilizam para nos fazer de palhaço.
parabéns pelo texto, expressar a realidade do que estar por trás de toda essa palhaçada. Sou PM Baiano.
ResponderExcluirLeio esse texto e reconheço que é raro tanto brilhantismo, consciência e lucidez. Parabéns, Lago. É assim que o homem deve semear a eternidade.
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