terça-feira, 24 de julho de 2012

Vendilhões dos quartéis

























                                                          Julgamento de Celso Lungaretti

Tenho contato eletrônico com uma pessoa que escreveu sua história na militância política do país quando ainda era um jovem de 17 anos, no tempo da ditadura militar.

Há cerca de três anos, mantive contato com ele para entrevistá-lo e saber um pouco sobre os acontecimentos daquela época, já que havia sido contemporâneo de Carlos Lamarca, e a minha pesquisa era sobre Alberto Mendes Junior, herói da PM paulista, morto por guerrilheiros comandados pelo oficial desertor do Exército Brasileiro.

De tudo que me contou, Celso Lungaretti, que escreveu um livro autobiográfico com o título “Náufrago da Utopia”, pareceu-me uma das poucas pessoas da sua época fiel ao que sonhou.

Embora tenhamos divergências ideológicas e também não acredite que eles (os militantes) tenham sido tão heróis e os militares tão cruéis (embora tenham sido), como ele apregoa, há uma coisa em Lungaretti que admiro: a fidelidade as suas convicções.

Minha constatação deveu-se a uma observação pessoal. Com menos tempo de ideologia que ele, tenho observado coisas na polícia que diferem das que acreditei, e isso me desestimula a continuar defendendo a bandeira da corporação. Veja bem, desanima, mas não quer dizer que deixarei de fazê-lo. Devo essa mantença a atitudes como esta de um ex-militante que, mesmo vendo seus antigos parceiros se beneficiarem da virada política e mostrarem-se tão corruptíveis quanto ao regime que combatiam, permanece determinado na defesa do seu ideal.

Recebi um e-mail dele informando que será candidato a vereador em São Paulo, pela primeira vez (sou cadastrado no blog para receber seus textos), e enviei-lhe uma mensagem desejando boa sorte no seu projeto. Na resposta que me enviou, disse:

“SE GENTE COMO EU NÃO SAIR DA TOCA, OS JOVENS PENSARÃO QUE ÉRAMOS TODOS ZÉS DIRCEUS.”

A postura de Lungaretti soou não apenas como um alerta no meu momento de desencanto, mas como um veredito silencioso: há que se continuar na defesa de nossas instituições policiais apesar do surgimento de um novo vendilhão dos quartéis a todo instante, aqueles que contabilizam obrigações como feitos relevantes, mas não passam de verdadeiros sanguessugas que ignoram o esforço dos seus pares e colocam-se como bastião dos interesses do povo, com foco apenas nos interesses pessoais. Como esquecer os que jogavam para a torcida enquanto escondiam o jogo duplo que faziam em benefício da minoria? Agora é hora de reconhecer os que querem se passar por bonzinho para a maioria. Por isso é preciso vigiar, refletir para ousarmos a ter a consciência de que talvez já tenhamos vendido a esses mensageiros de engodos o resto de nossas esperanças.

É meu povo, o mundo não apresenta novidades, tudo isso é antigo. Apenas nós vamos adquirindo o discernimento, que na verdade traz mais dor que alívio; entretanto, também traz grandeza, como pude observar nas convicções de Lungaretti.

 A noção de nossa responsabilidade é dolorosa, pois o comprometimento institucional que adquirimos acaba sendo ruim, pois buscar a verdade requer a coragem para ir além do lodo, e eu jamais sairia por aí jogando lama no ventilador que um dia me refrescou.

Acho que vou ficar como o Lungaretti, navegando nas águas turbulentas da minha utopia, mas com o consolo de ter no travesseiro um cúmplice que me permite um bom sono ao deitar.

Um comentário:

  1. Prezado Lago,

    você poderia ter citado também o trecho da minha mensagem em que eu o avaliei como um homem honesto nas suas convicções, tanto que foi capaz de interessar-se sinceramente pelo que o "outro lado" tinha a dizer.

    Suponho que haja outros policiais militares como você, assim como, na condição de prisioneiro da ditadura, não deixei de perceber que alguns oficiais do Exército eram honrados e civilizados.

    No entanto, a ditadura em si era nefasta. E o modelo das PM's simplesmente não funciona numa democracia, pois reproduz a cultura implacável das das Forças Armadas: o inimigo tem de ser destruído, a qualquer preço.

    Só que combater a criminalidade é bem diferente de combater tropas estrangeiras. Excessos acabam ocorrendo e a repercussão negativa às vezes é terrível, como foi na semana passada.

    Eu defendo que se discuta amplamente a adoção de um novo modelo de atuação junto à população civil, não no sentido de deixarmos o terreno livre para a bandidagem, mas sim no de combatê-la com a máxima eficiência possível nos limites da lei.

    E, se as leis estiverem sendo insuficientes face aos desafios atuais, que se discuta seu aperfeiçoamento. Mas, enquanto não forem mudadas, têm de ser respeitadas.

    Havendo abertura para o diálogo, os litigantes acabam sempre cedendo num ou noutro ponto e vão surgindo os denominadores comuns.

    O que não pode é o comando da PM dizer que tudo está bem como está, quando os índices de mortes
    em confrontos são tão elevados e a própria ONU os reprova veementemente.

    Creio, enfim, que mudanças são necessárias, mas não se deve jogar o bebê junto com a água do banho. Os bons cidadãos da PM têm uma contribuição valiosa a darem para a definição e implantação de um novo modelo de policiamento.

    O pior de tudo é o imobilismo. Males não erradicados se tornam cada vez piores. Devemos aproveitar as crises para crescermos; abafá-las faz apenas aumentar sua virulência nos episódios seguintes.

    Um forte abraço,Lago!

    Celso Lungaretti

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