Confesso que o remédio que tomei para gripe contribui para que eu dormisse, caso contrário nem teria pregado os olhos, tamanha a vontade que eu estava de conhecer o sertão.
Na semana anterior fui ao Quartel do Comando Geral com a bolsa, pronto para viajar, mas não conseguiram arrumar um transporte disponível. Contudo nessa quarta-feira, dia 29/12, deu tudo certo.
Cheguei por volta das 9h00 e a minha espera já estava o tenente Oliveira, comandante fundador do Pelotão de Caatinga. Como tinha que despachar com o comandante geral, veio à capital e no retorno me daria carona.
Brincalhão, riu do meu “cantil”, que na verdade era uma garrafa térmica, verde, que comprei no supermercado, no dia anterior, e trazia pendurado ao cinto da calça, cheio de água gelada, seguindo a orientação que recebi da tenente Manuela, da Comunicação Social.
Logo que resolveu seus afazeres saímos em direção ao sertão.
No caminho veio me contando sobre como foi a criação do pelotão, a aceitação dos comandantes e autoridades do estado.
Disse que o curso foi ministrado por policiais da Bahia aqui no Sergipe. E a primeira turma formou o primeiro pelotão.
Hoje, Após três anos, o Pelotão de Caatinga da Polícia Militar de Sergipe já oferece cursos e as vagas são disputadas inclusive por policiais do BOPE do RJ.
Na medida em que avançávamos em direção ao interior do estado, fui sentindo o aumento da temperatura e com meia hora de viagem já fiz a primeira utilização do “cantil”.
No meio do caminho fizemos uma parada num quiosque e, sedento, fui a uma garrafa de água gelada, enquanto o tenente Oliveira pedia um cafezinho quente, saindo fumaça, por voltas das 10h00 e sob sol escaldante.
Cerca de uma hora e meia depois chegamos ao Pelotão de Caatinga, num vilarejo por nome de Vaca Cerrada.
Como já estava perto do horário do almoço, aceitei o convite e me alimentei com os demais companheiros de serviço.
Fui apresentado ao tenente Fabrício, subcomandante, também fundador do Pelotão de Caatinga, que ficou incumbido de levar-me ao Tenente Coronel Romeu, comandante do 4º Batalhão de Canindé, que me aguardava, e posteriormente sairíamos para o patrulhamento.
Fomos em duas viaturas. Na frente o tenente ia com dois policiais e atrás eu estava com outros dois.
Após ser gentilmente recebido pelo comandante, deixei minha mala de roupas no alojamento e seguimos para a Caatinga.
Ao sairmos da zona urbana de Canindé, percorremos cerca de vinte quilômetros na zona rural, que é onde recebe a denominação de Caatinga, devido a predominância de uma árvore do mesmo nome.
Durante o trajeto percebi que o cabo Bispo, policial veterano, moreno, com boa disposição física, ia a frente, ao lado do motorista da viatura, cantarolando baixinho canções militares utilizadas em marchas, sempre fazendo alusão aos policiais da Caatinga.
Antes mesmo de ter contato com ele, conversando com um sargento lá no pelotão, fiquei sabendo que, apesar dos seus 42 anos de idade, treina pelo menos duas vezes por semana, correndo dez quilômetros, por volta das 10h30, quando o sol está mais alto. “Quem pode o mais pode o menos”, disse-me o tenente Oliveira, durante a viagem, referindo-se ao bom condicionamento físico da sua tropa que, por treinar sob o sol do sertão, não encontra dificuldades quando a missão é na Capital, com clima mais ameno.
Paramos quando atingimos determinado ponto.
Com a gentileza e o orgulho de fazer o que faz, o tenente Fabrício trazia muitas informações sobre as características do trabalho.
Como manifestei interesse em conhecer a vegetação local, o cabo Bispo entrou comigo um pouco pra dentro da mata, enquanto os demais ficavam atentos as possíveis pessoas que poderiam trafegar por lá, e começou mostrar-me cada planta. Chapéu de frade, Macambira, Mandacaru, Chique-Chique, Mandacaru Facheiro, Pinhão, Quipá etc. O que me surpreendeu foi quando ao me mostrar uma erva denominada Cansanção, que é uma espécie de urtiga, que provoca queimação e irritação ao ter contato com a pele, conforme me explicava, esfregou a sua própria para que eu visse a reação que provocaria e, claro, em pouco tempo ficou inchada e com vergões.
Provei de algumas plantas e não gostei muito, mas notei que em condições adversas realmente contribuem para a sobrevivência dos policiais do sertão.
Parados naquele ponto estratégico, enquanto aguardávamos que pessoas passassem por lá para serem abordadas, continuei recebendo orientações.
Os policiais me falaram que a região do sertão já foi mais violenta, mas que com a criação do pelotão o índice de criminalidade havia caído em quase 80%.
Os de maior incidência eram os roubos de gado. As vítimas permaneciam caladas, pois os ladrões também são pistoleiros e, uma vez denunciados, voltavam para matar.
No final da tarde, começaram a surgir pessoas trafegando com motos, que já são apelidadas de cavalo do sertanejo. Foram feitas cerca de seis abordagens e em todas constatadas irregularidades de trânsito. Falta de utilização do capacete e de habilitação, as mais freqüentes. “Se nós formos atuar como fiscalizadores de trânsito fugiremos da nossa atividade fim. Imagine você, se na primeira tivéssemos retornado à cidade para apreensão, perderíamos muito tempo”, justificou o oficial, após liberar todos abordados.
Ao início do cair do sol, solicitei uma pose da equipe para uma foto, antes de voltarmos para a cidade.
No retorno, confesso que a minha resistência estava minada. Embora bebendo toda a minha reserva e parte da disponível na viatura, me sentia sucumbindo ao calor. Porém, com a mesma disposição do início do trabalho, o cabo Bispo vinha cantarolando uma das canções militares de sua autoria, feita aos policiais do BOPE que terminaram o curso aqui no Sergipe, na semana passada. “Caveirão, o que aqui veio fazer?/ Veio zombar de mim ou usurpar do meu brevê?/ Caveirão, uma missão eu vou te dar/ Vou te jogar dentro da caatinga, você tem que se virar/ Caveirão, volte lá pro Alemão/ Voce está confundindo a favela com o sertão/ Na suas praias os caatingueiros vão morar/Mas o calor do meu sertão você não vai agüentar...
O sol já estava totalmente escondido e a noite anunciada, quando me trouxeram de volta a base do 4º Batalhão. Agradeci individualmente a todos pela rica oportunidade de conhecer aquele trabalho e externei os meus parabéns aos nossos guerreiros, heróis do sertão.