Na Flórida, uma mãe, aproveitando-se da amizade que mantinha com um policial, solicitou que ele simulasse a prisão do filho dela, para que o menino não voltasse a brincar com fósforos. Li essa notícia no blog Diário de um PM, que repercutiu a matéria publicada no site G1.
Não pude me furtar da obrigação de registrar a minha reflexão a respeito da infeliz iniciativa daquela mãe e do assentimento daquele profissional e de transmitir meu alerta aos meus companheiros de lida para os efeitos dessas brincadeiras que, além de traumáticas e provocarem medo nas crianças, são responsáveis pela solidificação da imagem repressiva do policial militar e pelo conseqüente distanciamento do cidadão durante toda uma vida.
Muitas vezes, vemos o esforço estrênuo das organizações na construção de uma imagem institucional sólida e respeitável a partir de programas bem elaborados de marketing, mas estes não encontram ressonância na sociedade, e os resultados ficam aquém das expectativas dos administradores. Sabe por quê? Não há uma preocupação com as atitudes individuais de seus profissionais; esquece-se de transferir o quinhão de responsabilidade a cada servidor pela boa ou má imagem da sua corporação.
Se no texto "Enxugando gelo" eu asseverei que a Polícia Militar paulista não corresponde às expectativas da modernidade, no que tange à valorização humana; sou obrigado a reconhecer que nós, os policiais, precisamos aquinhoar nossa responsabilidade na construção dessa boa imagem perante o público. E isso nos remete à preocupação com detalhes de nossa postura pública, que inclui o zelo com a exposição de nossas mais íntimas necessidades, pois, não raro, percebemos uma conduta autofágica de nossos companheiros e representantes, não somente na luta por privilégios de ascensão na carreira ou ocupação de função prestigiosa, mas também durante reivindicações, as quais soam como autênticas chantagens emocionais.
Com isso, dá-se publicidade às nossas mazelas, que, além de não contribuir para saná-las, possibilitam aos leigos o deleite da revanche, provida das mais injustas imposturas da razão e do bom senso. Assim, anos de resistência, de valores, de esforços para ser enxergado com justiça pelos beneficiários de nossas renúncias escoam pelos ralos da indiferença e do interesse.
As nossas queixas e reclamações devem ser direcionadas a quem compete resolver os problemas, e não em bate-papos informais com a sociedade, pois, desse modo, estimulamos a formação da opinião com base em pressupostos negativos e anulamos as qualidades das nossas matizes profissionais.
Essa convicção me faz lembrar de uma situação em que, certa vez, eu dirigia um carro bonito, por uma avenida da Zona Leste de São Paulo, quando, parado no trânsito, notei que um senhor pedinte vinha a minha direção. Reservei um trocado para entregar-lhe, porém, ao estender-me a mão para receber a doação, ele percebeu que eu estava fardado e recusou a dádiva imediatamente e disse-me: "Desculpa, o senhor também ganha pouco."
Imediatamente me vieram as imagens das reclamações que produzimos sobre salários a quem não é devido, as quais rendem até o despautério de um pedinte supor que também estamos na mesma condição de miserabilidade.
Não menos reprovável foi a forma que o clube dos oficiais editou sua campanha para sensibilizar o Governo do Estado a conceder aumento para a Corporação, colocando-nos em condição de miseráveis. Justo quem vive realidade melhor que a maioria dos Praças. Veja aqui. (Observe que foram infelizes TAMBÉM na escolha do locutor, que narra o texto em tom festivo).
Jogar nossa imagem para baixo não traz benefícios. Há que se mostrar todas as nossas qualidades e diferenciais que justificam merecermos um salário digno. O soldado mais recruta é um oficial de policia especializado em segurança pública. Foi aprovado intelecto, social, fisica e moralmente. Quais profissões exigem e aferem tantas qualificações? Para as respostas positivas, qual é o salário desses profissionais? Então, devemos afastar esse complexo de inferioridade das discussões em relação às questões que nos afligem e às dívidas sociais com que somos lesados por um governo cada vez mais oportunista e dissimulado, e posicionarmos com autoestima elevada, se quisermos bons resultados. Na prática, o modelo de reivindicação que tem sido usado não nos tem favorecido.
Não que a negociação deva ser menos arrojada, mas também não precisa ser violenta, apelativa ou insdisciplinada. A inteligência e a determinação cingem-se de enorme relevância nessa empreitada, assim como o apoio de diversos setores representativos da sociedade, que assumam a condição de parceiros não somente nos seus momentos de angústia, mas também se sintam prestigiados por permitirmos a contrapartida da participação de nossas vitórias. Portanto, nossas conquistas individuais não podem custar o nosso maior patrimônio: a nossa instituição, que começa na imagem que transmitimos à população ou como nos permitimos por ela sermos vistos.
Avalie comigo. Somos servidores públicos, prestamos um concurso, que, como sabemos, muitos da sociedade ansiaram, mas não satisfizeram a volição por falta de coragem ou de atributos, das virtudes exigidas pelo cargo. Outros tantos concorrem, entretanto não alcançam êxito. Outros, aprovados, não mostram aptidão durante o curso e ou são desligados ou desistem.
Enfrentamos o sol, a chuva, o frio. Quando a ocorrência vira a madrugada e estamos em local ermo, visita-nos a fome, e esquece-nos o alimento. Embora tenhamos problemas a resolver em nossas casas, saímos em proteção das pessoas que sequer conhecemos e, se for preciso, oferecemos a vida em sacrifício a elas. Sofremos pressões dos nossos superiores, também pressionados, que querem os resultados que os programas dos governos deveriam produzir. Essa é a nossa realidade. Ombros em que se depositam todas as responsabilidades; mãos às quais se nega o óbolo quando nos fazemos pedintes.
Quando esperamos o reconhecimento das pessoas que protegemos, não nos valorizam como queremos, pois sinalizamos a elas que nós mesmos não acreditamos na nossa instituição. Então, por qual motivo elas deveriam?
Como também disse no texto já citado: precisamos mudar a cultura viciada.
Sobre a mãe norteamericana que usou o policial para assustar o filhinho, vou prescrever uma lição de um sargento que se destacava por suas tiradas bem humoradas no meu Curso de Formação de Soldados, em 1981, quando, brincando, certa vez, nos chamou a atenção sobre a importância de investir numa boa imagem da corporação perante as crianças: "Quando você estiver de serviço e alguma mãe parar a sua frente e disser ao filho que pare de chorar, senão vai mandar o policial prendê-lo; você, sorrindo e carinhosamente, passe a mão sobre a cabeça da criança, busque acalmá-la e diga: fique tranquilo. Policiais não pegam crianças, só mamães”.