sábado, 2 de janeiro de 2021

A brisa e o trombone


A brisa e o trombone


ano era 1993, acreditoComo muitos, não tenho memória confiável.

No pátio do quartel da Polícia Militar, no Rio Pequeno, a tropa perfilada cantava o Hino Nacional – numa cerimônia rotineira – quando a brisa trouxe a garoa como companheira.

Eu estava à frente de um dos pelotões e tinha visão privilegiada da banda de música.

Chamou-me a atenção que o trombone do sargento Moni aos poucos ficava coberto por gotículas, que lhe emprestava uma visão reluzente. Ele sequer notou que minha visão ficou perdida por algum tempo naquela cena. Vibrantemente assoprava seu instrumento até que o ato solene findou e todos fomos dispensados.

A banda de música, embora compartilhasse do mesmo espaço físico no quartel e participasse conosco das cerimônias, tinha rotina diferente e comando independente. Isso não impedia que travássemos boa amizade, pois sempre nos encontrávamos no refeitório e, às vezes, no futebol, quando os convidávamos para ter quórum nas peladas.

O sargento Moni, do trombone reluzente, era uma das pessoas que sempre achava uma oportunidade para uma conversa e mantinha em boa memória quando, no curso natural da vida, nos afastamos, inicialmente para servir em quartéis distintos e depois pela aposentadoria.

Em 2011 eu havia acabado de retornar São Paulo evindo da jornada feita pelo Brasil pesquisando segurança pública, ainda estava me recompondo da longa viagem quando recebi sua ligação solicitando apoio para produzir um vídeo com mensagem de Natal – numa homenagem do Sítio Agar, entidade que acolhe crianças carentes com Aids, para a Guarda Municipal de Barueri – onde Moni era o maestro da banda.

Aceitei de imediato, por ser ele o intermediador do convite e, principalmente, pela causa.

Nos intervalos e após as gravações dedicávamos um bom tempo relembrando as coisas do período que estivemos juntos no quartel.

Confidenciou-me que estava muito feliz com o trabalho que realizava. Com a aposentadoria, em razão da sua qualidade musical, havia sido convidado para ser o comandante da banda da guarda daquela cidade.

O vídeo ficou bem emocionante e todos ficamos satisfeitos. Depois, mais uma vez nos afastamos, daqueles afastamentos naturais da vida. Chegamos trocar algumas mensagens, mas foi rareando até se esgotar. Permaneceu o carinho e respeito pelo grande companheiro que eternizou um sentimento e uma imagem.

Ontem, como uma brisa, foi para os braços do Pai oferecer sua canção.


(assista abaixo o vídeo citado no texto)