Há quase três meses não escrevo. Exatamente o período em que deixei São Paulo para percorrer o Nordeste, até chegar ao Norte. Precisamente a Belém, no Pará.
Envolto por tantas novas imagens que surgiam a minha frente a cada momento, dediquei-me aos registros em foto e vídeo. Todavia, na capital de todos paraenses, fui impelido às escritas.
Em razão da contenção de despesas, recorri inicialmente à hospedagem no quartel. Como sempre, fui muito bem tratado e alvo das atenções de todos, em razão da curiosidade do trabalho que realizo conhecendo as polícias militares do Brasil. Confesso que minha carência de atenção fica preenchida nessas ocasiões, motivo pelo qual sempre necessito, no momento seguinte, de um retiro, solitariamente confabulando com os meus pensamentos. Por isso decidi que, após três dias, era hora de procurar um hotel.
Não foram três dias, mas quase três meses de minha viagem, durante os quais fiquei em ambientes militares. Finalmente, optei pelo hotel que havia me hospedado há seis anos, quando aqui estive. Juntei minhas coisas, sempre espalhadas por onde passo, que, por representarem unidade especializada, chamavam mais a atenção dos meus anfitriões, e segui para o endereço no centro de Belém.
Havia esquecido que teria de subir dois andares, com quatro lances de escada, sob calor intenso e muita bagagem para arrastar. Todavia estava feliz pelo retiro, que durou pouco.
O cheiro forte de cigarro; o chuveiro - que parecia um chafariz entorpecido, que molhava todo o banheiro, mas se esquivava de cair sobre minha cabeça- e o wi-fi prometido que nem sequer aceitava a senha anunciada pela recepção, foram suficientes para me arrepender de ter saído de onde vim. Em razão do anoitecer que se pronunciava, resolvi ir ao sacrifício. Sim, sentia-me nessa condição.
Logo que amanheceu, saí à rua com alguns endereços de hotéis e fui verificar in loco. Andei muito. A camiseta ficou encharcada. Nos dois primeiros endereços, escolhidos por serem os melhores para o orçamento que dispunha, nem sequer entrei nos hotéis, pela localização. “Aqui é trash!” Informou-me uma pessoa ao consultá-la.
Depois de muito andar, decidi falar com uma dupla de policiais que fazia o policiamento ostensivo a pé. E dessa conversa cheguei a um hotel na avenida Presidente Vargas. Gostei, busquei as malas e aqui estou. A surpresa é que com apenas dez reais a mais eu tenho um serviço muito superior ao que tinha no outro. Ar-condicionado e internet funcionam, sem odor inconveniente, de qualquer natureza, e com elevador. Com o plus de uma melhor localização.
Perto do almoço, descobri que numa rua lateral havia um bom restaurante. Quase sempre sou levado à economia, em razão das altas despesas que uma viagem produz, mas também não economizo quando estou com a autoestima abalada. Assim se deu a confluência de nossos interesses. Tudo agradável além de uma ótima comida. O preço nem era tão fora da realidade.
Da minha mesa, enquanto degustava um drink antes da refeição, fiquei a observar as pessoas. E, entretido em pensamentos de como seria o viver de cada um naquela cidade, decidi que era hora de comer. Havia lido na internet que o salmão grelhado era um atrativo à parte, por isso fui compelido a experimentá-lo.
Quando retornei com meu prato e iniciei a refeição, não sei por qual motivo, meu olhar foi conduzido para o lado de fora do restaurante. Minha mesa tinha uma posição privilegiada e podia observar tudo lá fora. Vi que do outro lado da rua, sentada na calçada, uma mulher, aparentando uns vinte e poucos anos, magra e com semblante parecido aos usuários de drogas que perambulam pela cidade, se alimentava com uma quentinha. Pensei em fazer uma imagem mostrando esse contraponto do local em que estava, com ar-condicionado, e aquela mulher, no calor e naquela situação desfavorável. Mas confesso que meu apetite não me permitia interromper a refeição. De fato aquele salmão era maravilhoso. Todavia fiquei trocando olhares com a cena da mulher, e sua quentinha, e o meu salmão. Quando finalizei meu almoço, crente de que teria tempo de fazer a imagem, ela amassava o alumínio. Na olhada seguinte, já havia desaparecido.
Retornei rapidamente ao hotel buscando acolhimento no ar-condicionado e me pus a escrever. Senti apossar de mim a sensação de um privilégio, desta dádiva de se apoderar do momento e tatuar na alma o semelhante muito além de sua imagem. O humano com suas lições de eternidade.
Num tempo em que a selfie é quase uma obrigação e o registro do instante, ostentação, voltei às letras e captei o átimo pungente e gratificante. A dor com que aquela mulher digeriu o meu salmão em minhas entranhas ofertou-me uma compreensão do meu mundo que eu não esperava até então: as diferenças são grandes e convivem lado a lado. O que é pobre, o que é rico depende da forma com que queremos olhar para o tudo. Foi assim que percebi que naquele quentinha cabe o mundo, porque aqueceu meu coração.
O cheiro forte de cigarro; o chuveiro - que parecia um chafariz entorpecido, que molhava todo o banheiro, mas se esquivava de cair sobre minha cabeça- e o wi-fi prometido que nem sequer aceitava a senha anunciada pela recepção, foram suficientes para me arrepender de ter saído de onde vim. Em razão do anoitecer que se pronunciava, resolvi ir ao sacrifício. Sim, sentia-me nessa condição.
Logo que amanheceu, saí à rua com alguns endereços de hotéis e fui verificar in loco. Andei muito. A camiseta ficou encharcada. Nos dois primeiros endereços, escolhidos por serem os melhores para o orçamento que dispunha, nem sequer entrei nos hotéis, pela localização. “Aqui é trash!” Informou-me uma pessoa ao consultá-la.
Depois de muito andar, decidi falar com uma dupla de policiais que fazia o policiamento ostensivo a pé. E dessa conversa cheguei a um hotel na avenida Presidente Vargas. Gostei, busquei as malas e aqui estou. A surpresa é que com apenas dez reais a mais eu tenho um serviço muito superior ao que tinha no outro. Ar-condicionado e internet funcionam, sem odor inconveniente, de qualquer natureza, e com elevador. Com o plus de uma melhor localização.
Perto do almoço, descobri que numa rua lateral havia um bom restaurante. Quase sempre sou levado à economia, em razão das altas despesas que uma viagem produz, mas também não economizo quando estou com a autoestima abalada. Assim se deu a confluência de nossos interesses. Tudo agradável além de uma ótima comida. O preço nem era tão fora da realidade.
Da minha mesa, enquanto degustava um drink antes da refeição, fiquei a observar as pessoas. E, entretido em pensamentos de como seria o viver de cada um naquela cidade, decidi que era hora de comer. Havia lido na internet que o salmão grelhado era um atrativo à parte, por isso fui compelido a experimentá-lo.
Quando retornei com meu prato e iniciei a refeição, não sei por qual motivo, meu olhar foi conduzido para o lado de fora do restaurante. Minha mesa tinha uma posição privilegiada e podia observar tudo lá fora. Vi que do outro lado da rua, sentada na calçada, uma mulher, aparentando uns vinte e poucos anos, magra e com semblante parecido aos usuários de drogas que perambulam pela cidade, se alimentava com uma quentinha. Pensei em fazer uma imagem mostrando esse contraponto do local em que estava, com ar-condicionado, e aquela mulher, no calor e naquela situação desfavorável. Mas confesso que meu apetite não me permitia interromper a refeição. De fato aquele salmão era maravilhoso. Todavia fiquei trocando olhares com a cena da mulher, e sua quentinha, e o meu salmão. Quando finalizei meu almoço, crente de que teria tempo de fazer a imagem, ela amassava o alumínio. Na olhada seguinte, já havia desaparecido.
Retornei rapidamente ao hotel buscando acolhimento no ar-condicionado e me pus a escrever. Senti apossar de mim a sensação de um privilégio, desta dádiva de se apoderar do momento e tatuar na alma o semelhante muito além de sua imagem. O humano com suas lições de eternidade.
Num tempo em que a selfie é quase uma obrigação e o registro do instante, ostentação, voltei às letras e captei o átimo pungente e gratificante. A dor com que aquela mulher digeriu o meu salmão em minhas entranhas ofertou-me uma compreensão do meu mundo que eu não esperava até então: as diferenças são grandes e convivem lado a lado. O que é pobre, o que é rico depende da forma com que queremos olhar para o tudo. Foi assim que percebi que naquele quentinha cabe o mundo, porque aqueceu meu coração.