Quando os jornalistas receberam o convite para uma entrevista coletiva no Quartel do Comando Geral da PM paulista para informar a prisão de policiais suspeitos em execuções, algum veterano de pauta deve ter disfarçado um sorriso de satisfação, afinal o trabalho árduo que a categoria desenvolve há anos, à custa do próprio sangue, como foi o caso de Vladmir Herzog, estaria começando a dar resultados.
Verdade seja dita: a PM avançou no quesito transparência. Isso não quer dizer que fosse corporativista antes, não. Era mais uma questão de arrogância, por considerar que não deveria dar satisfação a "paisanos". Contudo, junto dessa atitude "élégant" também deveria ter autonomia para explicar o motivo pelo qual tem aumentado os casos de mortes suspeitas e cometimentos de arbitrariedade envolvendo policiais. Já se comenta inclusive que, com a atuação eficiente da polícia pacificadora nos morros do Rio de Janeiro, haveria um princípio de formação de milícias
Como tenho defendido, há necessidade de romper o vínculo com a demagogia, de jogar para a torcida, quando ações eficazes devem ser adotadas. A simples transferência de comandantes, aliás - a primeira providência que criteriosamente tem sido adotada – tem-se demonstrado um equívoco tremendo, pois somente se justificaria se houvesse envolvimento direto nas acusações, que não é o caso. Sabemos das convicções legalistas dos comandantes da Polícia Militar. Essas medidas trazem em seu conteúdo simbólico uma grande traição aos ideais de quem defendeu incondicionalmente causas impessoais, pois muitas vezes a ocupação de um cargo na Polícia não atende a vaidades pessoais, mas ao orgulho, ao coroamento de uma trajetória, de uma extensa folha de serviços prestados ao povo.
Ainda hoje ouvi o lamento de muitos subordinados do Tenente Coronel Camargo, afastado do comando do 10º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano, em virtude de uma ação de uma patrulha que vitimou um civil com a morte, em uma quermesse. As marcas da humilhação também freqüentaram jornais para expiar o pecado dos mandatários, que ignoram o histórico do humilhado. Aliás nunca na História da Polícia deste Estado o policial foi tão relegado a um mero número estampado numa ficha. Em verdade, ser responsável pela segurança dos cidadãos daquela região significou àquela autoridade muitas noites de sono, muitas renúncias, o abandono da família nas noites frias, marcas de chumbo na carne. O Coronel Camargo sempre foi oficial de trincheiras, de postar lado a lado com o oprimido pela violência, de marchar com a tropa, estimulando-os à coragem e à prática da justiça. Qual foi a falha do comandante? Acreditar nos homens, na grandeza da autoridade, na honra dos detentores do poder, os mesmos que sequer conhecem um percentual mínimo do compromisso do valoroso oficial, líder até de missão de paz da ONU, com a causa pública.
Alguém conhece truculência maior? Pratico truculência e depois quero mediação de conflitos fundamentados em pressupostos humanitários? Pois é, Senhor Governador e Senhor Secretário da Segurança Pública de São Paulo, administrar um profissional cuja extensão de sua ação atinge o limiar da vida e da morte requer mais que demagogia. Que tal considerar a valorização profissional como irradiadora de resultados consistentes e duradouros? Todos profissionais, do soldado ao coronel, devem se sentir responsáveis pelo zelo com a corporação, como numa família de muitos irmãos, como na minha infância. Minhas irmãs mais velhas faziam a faxina, arrumavam tudo e os demais se fiscalizavam mutuamente para que ninguém sujasse.
O que vemos hoje, no entanto, é uma corporação desmotivada, sem aspirações. Sem um plano de carreira que possa despertar em cada um a gana de vencedor que são obrigados a ter no embate diário na defesa dos cidadãos de bem. Por isso, um faz vista grossa aqui, outro empurra com a barriga ali, e isso vai favorecendo que maus profissionais busquem nos meios ilícitos a motivação que não têm para o bem.